Andrei Andreievich Gromiko, ex-chanceler soviético que sobreviveu as tortuosas mudanças no Kremlin.

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Andrei Andreievich Gromiko, ex-chanceler soviético que sobreviveu ao tortuoso caminho das mudanças no Kremlin. Ministro das Relações Exteriores da União Soviética ao longo de 28 anos – um recorde na História do século XX – foi habilidoso o suficiente para sobreviver a cinco trocas de comando no Kremlin sem cair em desgraça, e ainda ser respeitado e temido por seus interlocutores estrangeiros.
Nesse período, foi Gromiko o ponto de contato de nove presidentes e catorze secretários de Estado dos Estados Unidos com a União Soviética. Participou diretamente de todas as grandes decisões mundiais da segunda metade do século – da Conferência de Ialta, no final da II Guerra, passando pela criação da ONU, pela crise dos mísseis em Cuba até chegar à invasão da Checoslováquia e, mais recentemente, do Afeganistão.

CHAPÉUS GELÔ – Essa sua capacidade de sobrevivência política, ao longo do tortuoso caminho de mudanças e expurgos violentos da União Soviética, é quase inacreditável – ela só encontra paralelo, na História contemporânea, na carreira do chanceler Talleyrand, da França, que sobreviveu à degola na Revolução Francesa, a Napoleão Bonaparte e à restauração da dinastia Bourbon. “Gromiko é um homem informado, autoconfiante, tenaz, incansável e impassível”, escreveu o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger em seu livro de memórias, publicado há cerca de dez anos. Filho de camponeses da Bielo-Rússia, Gromiko privou da intimidade de todos os líderes soviéticos desde Josef Stálin. Sua carreira diplomática teve início em 1939, quando foi designado conselheiro da embaixada soviética em Washington. Em 1943, já ocupava o posto de embaixador, embora estivesse com apenas 34 anos de idade. Seguindo sempre as diretrizes traçadas pelo Kremlin – qualquer que fosse o mandachuva de plantão -, ele passou por todos os postos-chave da diplomacia soviética. Elegante e intransigente, era capaz de discutir por doze horas a colocação de um advérbio numa frase de um comunicado. Entre 1946 e 1948, como embaixador na ONU, ficou famoso por suas retiradas estratégicas de reuniões do Conselho de Segurança, o que lhe valeu o apelido de “Mister Nyet” ou “Senhor Não”, em português. “Ele sempre foi uma máquina eficiente, serviçal e totalmente destituída de calor humano”, disse certa vez o dissidente soviético Arkady Shevcenko, que trabalhou ao lado de Gromiko na ONU.

Discreto, imperturbável e sempre vestido em ternos bem cortados, chapéus gelô e gravatas italianas, Gromiko parecia mais um aristocrata que um chanceler comunista dos tempos duros da era pré-Gorbachev. Depois de uma rápida passagem pela embaixada na Grã-Bretanha, foi nomeado chanceler russo em 1957, posto que ocupou até 1985. De Franklin Roosevelt a Ronald Reagan, sempre exerceu com maestria a arte de negociar.
Ao mesmo tempo, mostrou-se frio e avesso às entrevistas. “Minha personalidade não me interessa”, respondeu a um jornalista americano que pedia detalhes de sua vida privada. Em seu livro de memórias, publicado em 1988, Gromiko confessou sua admiração por Marilyn Monroe e atacou duramente o ex-chefe Stálin, “um homem cruel, que criou uma tirania mosntruosa”.

A estrela vermelha de Gromiko começou a apagar com a subida ao poder de Mikhail Gorbachev, em 1985. Neste mesmo ano, Gromiko foi afastado da chancelaria, recebendo em troca o cargo, então decorativo, de presidente da URSS. Numa atitude digna de sua faceta camaleônica, passou a defender a glasnost, seguindo a nova ordem do Kremlin. Em outubro de 1988, Gromiko foi afastado do cargo – que passou a Gorbachev, desta vez com mais poderes. Pouco a pouco, perdeu todos os postos de poder no Partido Comunista e no governo, até ser destituído do Comitê Central em abril de 1989, já gravemente doente.

“Gromiko não passa de um executante. Se eu lhe mandar tirar as calças e sentar sobre um cubo de gelo, ele o fará sem hesitar.” A frase, disparada no distante ano de 1958 pelo então secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Nikita Kruchev, em uma conversa com o general Charles de Gaulle, explica a longevidade política de Gromiko.

Gromiko morreu dia 2 de julho de 1989, aos 79 anos, em Moscou, de complicações decorrentes de uma cirurgia cardíaca. Na manhã fria de quarta-feira, dia 5 de julho, Gromiko foi enterrado com honras militares. A cerimônia foi discreta. Ele saiu da vida exatamente como viveu.

(Fonte: Veja, 12 de julho, 1989 – Edição 1087 – DATAS – Pág; 94)

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