Alexander Soljenitsin, escritor que revelou, em Arquipélago Gulag, toda a insanidade de um regime

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“A revolução traz à tona o instinto da barbárie primal. Uma revolução nunca traz prosperidade a uma nação, que sofre com mortes incontáveis, miséria abrangente e, nos casos mais graves, uma degeneração duradoura de seu povo.”

Alexander Soljenitsin (1918-–2008), em um discurso na França, em 1993.

AUTORIDADE MORAL

Soljenitsin compôs, segundo o diplomata americano George Kennan, “a maior e a mais poderosa condenação de um regime político dos tempos modernos”.

O HOMEM QUE EXPÔS O HORROR SOVIÉTICO

Alexander Soljenitsin (Kislovodsk, no Cáucaso, 11 de novembro de 1918 -– Moscou, 3 de agosto de 2008), escritor russo, de nome verdadeiro Aleksandr Isaevich Solzhenitsyn, que sobreviveu às prisões comunistas e revelou, em Arquipélago Gulag, toda a insanidade de um regime totalitário. Sem ficção, sem invenções, o relato cru e dilacerante da situação nos campos de concentração da União Soviética. O livro foi alvo de intensa polêmica, e o autor acabou optando pelo exílio nos Estados Unidos. No discurso fúnebre que proferiu em homenagem a Émile Zola, morto em 1902, o escritor Anatole France deixou uma afirmação memorável sobre o autor de Germinal: “Ele foi um momento da consciência humana”. Referia-se sobretudo à atuação de Zola na defesa de Alfred Dreyfus, oficial do Exército injustamente acusado de traição, em um caso que dividiu a França no fim do século XIX.

 

As palavras de France caberiam com mais justiça ao russo Alexander Soljenítsin, que morreu morreu de problemas cardíacos em Moscou, no dia 3 de agosto de 2008, aos 89 anos. Soljenitsin bateu-se contra o grande Leviatã do século XX: a máquina totalitária da União Soviética. Sua obra mais celebrada, Arquipélago Gulag, é uma radiografia do estado comunista e de seu sistema de prisões para dissidentes políticos (“Gulag” é a sigla em russo de Diretório Geral de Campos), “Arquipélago Gulag é a maior e mais poderosa condenação de um regime político erigida nos tempos modernos”, declarou o diplomata americano George Kennan, profundo conhecedor da política soviética.

 

Nascido em Kislovodsk, no Cáucaso, a 11 de novembro de 1918, um ano depois da revolução comunista, Soljenitsin começou sua trajetória de confrontos com o totalitarismo em 1945, quando ainda servia no Exército Vermelho na guerra contra a Alemanha nazista. Uma carta em que fazia piadas sobre Stalin foi interceptada. Bastou para que fosse condenado ao Gulag. Passou oito anos em prisões e campos diversos, e mais três degradado em um assentamento remoto na porção oriental da União Soviética. No exílio, foi diagnosticado com um tumor maligno no estômago e só com muita dificuldade conseguiu autorização para buscar tratamento em uma cidade com maior recursos. Em 1956, foi reabilitado como “patriota soviético” e se estabeleceu em Riazan, cidade próxima de Moscou. Sobrevivera ao exílio e ao câncer e estava prestes a se tornar a grande voz literária da dissidência.

 

O comunismo vivia então um período de distensão, sob a guarda do premiê Nikita Kruchev, famoso porseu discurso de denúncia dos crimes do antecessor, Joseph Stalin, morto em 1953. Foi graças a esse relaxamento do aparato policial que Soljenitsin pôde publicar, em 1962, a novela Um Dia na Vida de Ivan Denissovich, relato cru do cotidiano de um prisioneiro de Gulag. Kruchev lera a novela e recomendara pessoalmente a sua liberação à cúpula comunista. “Existe um stalinista dentro de cada um de nós. É preciso extrair esse mal”, argumentou. Comparado a Recordação da Casa dos Mortos, de Dostoievski, Ivan Denissovich transformou Soljenitsin em um celebridade literária – mas também o tornou suspeito para a linha dura comunista, que voltaria ao poder quando Kruchev foi “aposentado” compulsoriamente e Leonid Brejnev tomou seu lugar, em 1964.

 

A repressão manteve Soljenitsin sob estreita vigilância, mas ele continuou escrevendo textos, que circulavam em cópias clandestinas. Já era então reconhecido internacionalmente como um grande escritor, a ponto de ganhar o Prêmio Nobel, em 1970, sob protestos de Moscou. Graças a sua fama, passou a receber centenas de cartas de ex-prisioneiros políticos, material que serviu para a composição de sua obra máxima, Arquipélago Gulag, misto de memórias e ensaio histórico. Os números levantados pela obra assombram: nada menos do que 60 milhões de pessoas foram internas em campos de prisioneiros, que, Soljenitsin frisava, existiram desde o início da revolução. O livro não se limitou a atacar o stalinismo, como queria Kruchev: era uma condenação global do comunismo, desde Lenin.

 

Contrabandeado para fora da União Soviética em microfilme, Arquipélago Gulag teve sua primeira edição em russo publicada em Paris, nos últimos dias de 1973, mas repercutiu de imediato em Moscou. “O arruaceiro Soljenitsin escapou ao controle”, reclamou Brejnev em uma reunião da cúpula do Partido Comunista na qual se aventou até a possibilidade de executar o escritor. Acabou prevalescendo a proposta de Iuri Andropov, chefe da KGB e futuro sucessor de Brejnev: em fevereiro de 1974, Soljenitsin foi forçado ao exílio no Ocidente. Passou algum tempo em Zurique, mas acabou se estabelecendo, com a segunda mulher e os filhos, em uma cidadezinha rural do estado de Vermont, nos Estados Unidos, onde trabalhou incansavelmente em um vasto ciclo de romances históricos, A Roda Vermelha.

 

Soljenitsin não se encantou com a democracia e a liberdade de mercado dos Estados Unidos. Em pronunciamentos polêmicos, condenou aquilo que percebia como a degeneração espiritual do Ocidente – cujos sintomas seriam a televisão e o rock. Patriota ortodoxo, nunca perdeu a confiança na queda do comunismo. A história confirmou sua fé: a União Soviética dissolveu-se em 1991, e Soljenitsin voltou à Rússia em 1994. Seguiu criticando a política russa, mas já não tinha a autoridade pública dos tempos de dissidência. No fim da vida, ensaiou alguns elogios ao autocrata Vladimir Outin. Sua desaprovação aos ataques da Otan contra o genocida sérvio Slobodan Milosevic tampouco lustra sua biografia. Mas são deslizes menores na trajetória de um homem que defendeu corajosamente a dignidade humana ante o terror totalitário. Um momento da consciência humana.

 

 

(Fonte: Veja, 13 de agosto de 2008 -– ANO 41 -– N.° 32 – Edição 2073 -– Memória/LITERATURA -– Pág; 102/103)
(Fonte: Veja, 31 de dezembro, 1975 -– Edição 382 – LITERATURA –- Pág; 79)
(Fonte: Veja, 9 de junho, 1976 -– Edição 405 – LITERATURA -– Pág; 114)

 

 

 

Soljenitsin: o prêmio Nobel de Literatura, 4 anos após ser concedido

Recebeu: o prêmio Nobel de Literatura de 1970 o escritor dissidente soviético Alexander Soljenitsin, 56 anos, atualmente exilado na Suíça; quatro anos depois de não ter ido recebê-lo por receio de não poder voltar à União Soviética, onde divergia politicamente das autoridades; na mesma solenidade em que receberam seus prêmios dez personalidades ganhadoras do prêmio Nobel de 1974; dia 10 de dezembro de 1974, no Palácio dos Concertos, em Estocolmo, Suécia.

(Fonte: Veja, 18 de dezembro de 1974 -– Edição 328 – DATAS -– Pág; 11)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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