Agustina Bessa-Luís, escritora portuguesa reconhecida com o Prêmio Camões e considerada uma das grandes autoras do seu país

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Agustina Bessa-Luís, escritora portuguesa, autora de ‘A Sibila’ deixou a vida pública em 2006 por problemas de saúde.

 

O grande “mistério literário”

Escritora dizia ser mais conhecida do que lida, apesar das sucessivas reedições de títulos seus, nomeadamente A Sibila

 

Agustina Bessa-Luís (Vila Meã, Amarante, 15 de outubro de 1922 – Porto, 3 de junho de 2019), foi uma das maiores escritoras de Portugal, reconhecida com o Prêmio Camões e considerada uma das grandes autoras do seu país.

 

Ela publicou quase 80 livros, entre literatura para adultos e jovens, crônicas, ensaios, peças de teatro, além de ter colaborado com diretores de filmes, em especial o gênio do cinema português Manoel de Oliveira. Ela recebeu, em 2004, o mesmo Prêmio Camões.

 

Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa-Luís nasceu em Vila Meã, Amarante, a 15 de outubro de 1922. Filha de um engenheiro português e de uma espanhola, Agustina Bessa-Luís estreou na literatura com a novela O Mundo Fechado, publicado em 1948. Os caminhos da literatura portuguesa no período dividiam-se entre a aguda denúncia social do neorrealismo de escritores como Alves Redol, Vergílio Ferreira e Fernando Namora e as experiências formais de autores da segunda onda do modernismo português, autores como Miguel Torga, Adolfo Casais Monteiro e Pedro Homem de Mello. Entre essas duas vertentes, Agustina, com sua literatura de investigação psicológica e de construção de personagens mais do que de panoramas sociais foi inicialmente desconsiderada.

 

A infância e a adolescência da escritora serão passadas nesta região, que marcará fortemente a sua obra. Estreia-se como romancista em 1948, com a novela Mundo Fechado​, mas é em 1954, com o romance A Sibila, desde então sucessivamente reeditado, que se impõe como uma das vozes mais importantes (uma voz “incomparável”, como dirá o ensaísta Eduardo Lourenço) da ficção portuguesa contemporânea.

 

Foi apenas com seu quarto livro, A Sibila, publicado em 1954, que a autora ganhou projeção em Portugal e mais tarde nos círculos acadêmicos do Brasil. Um épico de prosa caudalosa cuja narrativa atravessa mais de cem anos da vida de uma família, ainda que o foco se detenha por mais tempo junto à personagem título, Quina, a “sibila”, uma mulher que detém ascendência espiritual sobre a comunidade em que vive. O livro, um estudo em profundidade da vida burguesa de província, tornou-se o mais conhecido trabalho da autora, que também publicou, ao longo das décadas seguintes, outras obras elogiadas, como A Muralha (1957), O Manto (1961), Fanny Owen (1979), Vale Abraão (1991), Memórias Laurentinas (1996) e sua última obra publicada, A Ronda da Noite, em 2006. Ela escreveu também livros de crônicas e de viagem, entre eles Breviário do Brasil, sobre uma passagem pelo país.

Agustina manteve com o diretor de cinema Manoel de Oliveira, outro monumento da cultura portuguesa, uma longa e profícua colaboração. Oliveira adaptou para o cinema seis livros da autora, entre eles Francisca (1981), adaptação de FranciscaVale Abraão (1993), do romance de mesmo nome, e O Princípio da Incerteza (2002), da trilogia homônima. O filme mais conhecido de Manoel de Oliveira no Brasil, O Convento, realizado em 1995 e com os nomes internacionais Catherine Deneuve e John Malkovich, também partiu do romance de Agustina As Terras do Risco (1994).

Afastada da vida pública, por razões de saúde, desde que em 2006 sofreu um acidente vascular cerebral, Agustina Bessa-Luís foi distinguida em 2004 com o Prêmio Camões, o mais alto galardão das letras em português. Recebeu-o, no Rio de Janeiro, das mãos do então ministro da Cultura brasileiro, Gilberto Gil. Eduardo Prado Coelho (1944-2007), um dos jurados dessa edição do prêmio, definiu-a como “uma extraordinária cronista com sentido de humor e uma visão original e, por vezes, desconcertante da literatura”. Vasco Graça Moura (1942-2014), que fez parte do mesmo júri, considerou-a então “uma escritora universal”.

 

Há alguns anos, num colóquio de homenagem a Agustina Bessa Luís, Hélia Correia defendia “a improbabilidade de Agustina” – a sua transcendência. Agora, com a obra “muito bem tratada” pela sua editora, a Relógio D’Água, que em 2016 iniciou um extenso programa de reedições, ainda em curso, e pela filha e responsável pelo espólio da escritora, Mónica Baldaque, “o que é preciso é ler, e pasmar perante aquela obra”. Hélia Correia reserva uma última palavra para o derradeiro romance de Agustina, A Ronda da Noite (2006): “Perfeição”.

 

“Poucos são os que me leem”

 

Apesar das sucessivas reedições de títulos seus, nomeadamente A Sibila – a última das quais pela Relógio D’Água, em 2017, com prefácio de Gonçalo M. Tavares –, Agustina queixava-se de ser mais conhecida do que lida. “Poucos são os que me leem, mas muitíssimo mais os que me conhecem”, disse a escritora, citada pela Lusa, numa palestra, contando em seguida um episódio passado no Porto, quando uma senhora a interpelou na rua de Cedofeita e lhe disse: “Sabe, gosto muito de si. Até estou a pensar um dia destes comprar um livro seu.”

 

A sua obra nunca desapareceu porém verdadeiramente dos escaparates das livrarias. E aí ressurgiu em força desde que, em 2016, a família rompeu o contrato que cedia os direitos da escritora à Guimarães Editora, cedendo-os à Relógio D’Água. A editora de Francisco Vale iniciou o seu programa de reedições com A Sibila e o livro infantil Dentes de Rato; desde então, fez sair os romances Vale AbraãoFanny OwenO MosteiroDeuses de Barro, A Ronda da NoiteO MantoOs Meninos de OuroTernos Guerreiros e O Susto, e ainda a peça de teatro Três Mulheres com Máscara de Ferro.

 

Além destes, a bibliografia de Agustina inclui títulos como Os IncuráveisA MuralhaO Sermão do FogoA Dança das EspadasAs Pessoas FelizesSanto AntónioO Concerto dos FlamengosAs Pessoas FelizesCrônica do Cruzado OsbA BruscaAquário e SagitárioDoidos e Amantes, e os três volumes de O Princípio da Incerteza, entre outros.

 

Várias obras suas foram adaptadas ao cinema pelo realizador Manoel de Oliveira, e assim foram vistas, além de lidas: Fanny Owen (1981, adaptado para Francisca), Vale Abraão (1993)As Terras do Risco (1995, adaptado para O Convento) e O Princípio da Incerteza (2002)Ela escrevia, ele filmava: foi uma parceria criativa que durou mais de duas décadas e resultou em quase uma dezena de filmes – com alguns “confortáveis conflitos” pelo meio.

 

No teatro, é autora d’A Bela Portuguesa, levada à cena na Casa da Comédia, em Lisboa, em 1987, numa encenação de Filipe La Féria, que também adaptou ao teatro o seu romance As Fúrias, em 1995.

 

Kafka e o marido

 

Em 1997, quando publicou Um Cão que Sonha, Agustina realçou numa conversa com público, em Oeiras, a importância fundamental que o marido teve na sua carreira de escritora. “Por tudo, do apoio à compreensão, ao incentivo e ao amor incondicional”, afirmou.

 

Alberto Oliveira Luís, que foi o responsável pela fixação do texto da escritora, morreu em Novembro de 2017, aos 94 anos. Foi usando o seu nome como pseudônimo que em 1951 Agustina concorreu aos Jogos Florais do Minho com o conto Civilidade. Antes de o seu nome saltar para os escaparates das livrarias, publicou ainda Os Super Homens (1950) e Contos Impopulares (1951).

 

O conto Civilidade veio a ser publicado em 2012 pelo grupo Babel, que em 2010 absorveu a Guimarães Editores. No mesmo ano foi também publicado outro título inédito, Kafkiana, que reúne quatro textos com reflexões de natureza literária sobre a situação do homem kafkiano face ao mundo e a si próprio.

 

“Quem, como eu, por razões de estudo, se interessou vivamente por um autor (trata-se de Franz Kafka, em que não pretendo doutorar-me, mas de que tirei a licenciatura) durante muito tempo, não pude evitar a sua sombra. Pelo que os meus artigos muitas vezes rodeiam os seus pensamentos, confiam nas suas palavras com esse abandono carinhoso que dedicamos a quem nos deu o pão do ensino”, escreveu então Agustina.

 

Uma vida, muitas homenagens

 

O Prêmio Camões foi a mais elevada distinção atribuída à obra de Agustina, mas a escritora recebeu muitos outros prêmios ao longo da sua carreira (incluindo, no mesmo ano, o Prêmio Literário Vergílio Ferreira da Universidade de Évora). Logo em 1954, A Sibila, romance que a inscreveu quase imediatamente no cânone da literatura portuguesa, valeu-lhe os prêmios Delfim Guimarães e Eça de Queiroz. Sobre esse romance, e sobre o que ele anunciava, escreveu então o historiador António José Saraiva: “Agustina será reconhecida quando, com a distância, se puder medir toda a sua estatura, como a contribuição mais original da prosa portuguesa para a literatura mundial. Ainda está demasiado perto de nós para que possamos desenhar o contorno do seu esplendor, que, como acontece em todos os casos de genialidade pura, é ainda invisível a muito dos seus contemporâneos”.

 

Mais tarde, em 1983, Agustina receberia o Grande Prêmio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, pela obra Os Meninos de Ouro; voltou a recebê-lo em 2001, com O Princípio da Incerteza I – Joia de Família.

 

A escritora recebeu também o Prêmio Ricardo Malheiros em 1966 e em 1977, respectivamente, com Canção Diante de Uma Porta Fechada e As Fúrias. Em 1967, a sua obra Homens e Mulheres valeu-lhe o Prêmio Nacional de Novelística e, em 1980, o romance O Mosteiro, conquistou o Prêmio D. Diniz/Casa de Mateus e o P.E.N. Clube de Ficção.

 

Em 1988, recebeu o Prêmio RDP/Antena 1 por Prazer e Glória e, em 1993, o Prêmio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários por Ordens Menores. Em 1997, recebeu o Prêmio União Latina pelo romance Um Cão que Sonha.

 

A escritora foi distinguida pela totalidade da sua obra com o Prêmio Adelaide Ristori, do Centro Cultural Italiano de Roma, em 1975, e com o Prêmio Eduardo Lourenço, em 2015.

 

Em 1985, foi mandatária da candidatura presidencial de Diogo Freitas do Amaral e, em finais de 2006, apoiou o “sim” no referendo sobre a despenalização do aborto. Marcada de resto por uma desassombrada intervenção pública, a sua vida passou também pelos jornais (uma intensa atividade que a Fundação Calouste Gulbenkian compilou em 2017, nos três volumes de Ensaios e Artigos (1951-2007), num total de nada menos do que 2791 páginas organizadas pela neta da escritora, Lourença Baldaque): dirigiu mesmo, entre 1986 e 1987, o diário O Primeiro de Janeiro, e protagonizaria em 2005, com a jornalista Maria João Seixas, o programa Ela por Ela. Entre 1990 e 1993, assumiu a direção do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa.

 

Em 2018, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) concluiu um ano de homenagem a Agustina Bessa-Luís, com a atribuição do doutoramento Honoris Causa à escritora, que assim se tornou a primeira mulher a ser distinguida com este título honorífico pela UTAD.

Bessa-Luís, cujo morte foi confirmada por pessoas próximas a meios de comunicação portugueses, deixou a vida pública em 2006 por problemas de saúde, mas seu nome e sua obra costumava ser habituais em conversas literárias, nas quais sua riqueza narrativa era sempre destacada.

Bessa-Luís era considerada uma das precursoras da literatura moderna e contemporânea do seu país.

Pertencente à corrente neorromântica, ficou conhecida para o grande público português por conta da sua compilação dos costumes do Portugal dos séculos XIX e XX, coletadas na sua obra “A Sibila” (1954).

“Sebastião José” (1981) e “A Muralha” (1957) são outros dos títulos de destaque entre seu numeroso trabalho, que inclui cerca de 50 livros de ficção, contos, peças de teatro e biografias.

Agustina foi ainda condecorada como Grande Oficial da Ordem de Sant’Iago da Espada, de Portugal, em 1981, elevada a Grã-Cruz em 2006, e o grau de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, de França, em 1989, tendo recebido a Medalha de Honra da Cidade do Porto em 1988.
Em 2004, Agustina obteve o prêmio mais importante da literatura em língua portuguesa, o Prêmio Camões, como auge de uma série de reconhecimentos que incluem o Grande Prêmio da Associação Portuguesa de Escritores (1984 e 2002), o Prêmio Nacional de Romance (1967) e o Prêmio da União Latina (1987).
A sua obra está traduzida em várias línguas europeias, do castelhano ao grego, e o romance A Sibila, que já vai na sua 31.ª edição, é consensualmente considerado um dos clássicos da literatura portuguesa do século XX.

Agustina Bessa-Luís faleceu em 3 de junho de 2019 na sua casa do Porto, aos 96 anos.

 

Perante a notícia da sua morte, Hélia Correia, que venceu o mesmo prêmio em 2015, não tem meios termos para a classificar: “Se há gênio, é Agustina. Se há mistério literário, é Agustina. Se há alguém que não morre, é Agustina”, disse esta manhã ao PÚBLICO. E Agustina, toda essa Agustina, perdurará, acrescenta Hélia Correia sobre uma autora de quem nunca foi amiga de “quotidiano, de tempo ocioso” – não por “temor sagrado” em relação a alguém que tanto admira, mas porque a sua obra é tão importante, tão perfeita que é com ela que se relaciona. “Ela nasceu para a literatura já pronta, não precisou de nenhuma espécie de aleitamento. E se não nasceu, ela também não morre”, insiste. “Há os escritores, e há a Agustina. É única. As condições de existência de Agustina não são as nossas condições humanas. Há outra coisa nela. Portanto também não há morte nela.”

António Costa, primeiro-ministro de Portugal, lamentou a morte da escritora em seu Twitter, assim como a ministra da Cultura de Portugal, Graça Fonseca.

“Portugal perdeu uma das suas mais notáveis escritoras contemporâneas. Como toda a grande literatura, a obra de Agustina Bessa-Luís é uma imensa tela sobre a condição humana, sobre o que temos de mais misterioso e profundo. Sentidas condolências à família e amigos”.

(Fonte: https://www.publico.pt/2019/06/03/culturaipsilon/noticia – CULTURA ÍPSILON / NOTÍCIA / Por Inês Nadais, Joana Amaral Cardoso e Lusa/ Com Margarida Gomes – 3 de Junho de 2019)

(Fonte: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2019/06/03 – POP & ARTE / NOTÍCIA / Por Agência EFE – 03/06/2019)

(Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/livros/noticia/2019/06 – CULTURA E LAZER / LIVROS / NOTÍCIA / Por CARLOS ANDRÉ MOREIRA – 03/06/2019)

(Fonte: Zero Hora – ANO 55 – N° 19.416 – 4 de JUNHO de 2019 – TRIBUTO / MEMÓRIA – Pág: 27)

(Fonte: Veja, 12 de junho de 2019 – ANO 52 – Nº 24 – Edição 2638 – DATAS – Pág: 27)

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