Aderbal Freire-Filho, diretor teatral, foi um dos grandes encenadores brasileiros do século 20, devolveu à palavra a força da cena, se dedicou a encenar uma geração de dramaturgos brasileiros como Flavio Marcio, Aldomar Conrado, Vianinha e Leilah Assumpção

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Aderbal Freire-Filho, um dos grandes diretores de teatro brasileiro

(© Divulgação/Daryan Dornelles)

 

 

Aderbal Freire-Filho, diretor teatral, foi um dos grandes encenadores brasileiros do século 20, devolveu à palavra a força da cena. Em uma centena de produções para o teatro, foi mestre do encontro do literário com a teatralidade.

Articulado e espirituoso, participou ativamente da vida cultural do país. Contador de histórias, questionador, falava como quem conversava com os filósofos, dramaturgos e encenadores que o precederam.

Conhecido por sua articulação e espírito aguçado, Aderbal era natural de Fortaleza, nascido em 1941, mas sua história se confunde com a cultura do Rio de Janeiro, onde chegou em 1970 para se tornar um nome proeminente nos palcos cariocas.

Aderbal começou a dirigir trabalhando como ator, colaborando com colegas como Nelson Xavier e Cecil Thiré. Sua primeira direção foi uma adaptação de “Flicts”, de Ziraldo, que foi apresentada nos horários livres do teatro que ocupavam na Lagoa.

Em uma edição do “antiprograma” Arte do Artista, que apresentou na TV Brasil, deitou-se muito à vontade com seu notebook no chão do cenário feito de pedaços de peças do seu repertório, para anunciar o papo com editores de uma revista impressa de crítica e estética. Ali, víamos enlaçar o sério e o humor, a erudição e o chão do palco.

Nascido em Fortaleza, em 1941, filho do dono de uma livraria que faliu, tornou-se inventor nos palcos cariocas depois que preferiu o teatro à advocacia. Já atuava desde os 13 anos quando chegou ao Rio de Janeiro, em 1970.

O aperto para pagar o aluguel o impeliu à direção. Trabalhava então como ator, com os diretores Nelson Xavier e Cecil Thiré, em O Segredo do Velho Mundo, quando escreveu e montou uma adaptação de Flicts, do Ziraldo, para ser apresentada nos horários livres do teatro que ocupavam na Lagoa.

O mesmo artista que criou um dos site-specific mais emblemáticos da historiografia teatral brasileira, A Morte de Danton, de 1977, também pôs em cena obras literárias na íntegra, os chamados romance-em-cena, como O que Diz Moleiro (2004), de Dinis Machado.

Tantas vias criativas atestam a inquietação de um experimentador que cultivou o prazer de trabalhar sobre a escrita de outros autores com um sentido próprio de fidelidade. Buscava a compreensão da ideia de teatro daquele texto para melhor expressá-la cenicamente.

Dizia preferir montar os dramaturgos vivos: “Fico na porta do teatro perguntando se Shakespeare chegou”, brincava.

Devoto debochado de Brecht, cogitava que, se o alemão fosse seu contemporâneo, teria se interessado pelas combinaçoes entre o dramático e o épico, tal como ele. Praticou, portanto, uma fidelidade desejante, em mutação.

Nos anos 1970 e 1980, Aderbal se dedicou a encenar uma geração de dramaturgos brasileiros como Flavio Marcio, Aldomar Conrado, Vianinha e Leilah Assumpção.

Ainda assinava Aderbal Júnior quando dirigiu Apareceu a Margarida (1973), primeira obra de Roberto Atahyde, uma representação do terror do autoritarismo na educação, em meio à intensa repressão política. Teve a temporada interrompida pela censura.

Embora o sucesso tenha sido creditado à estrela Marília Pêra, ali Aderbal já dava direção ao seu teatro: arranjar palavras, luz, sons e espaço como matéria bruta para compor viagens imaginativas, críticas à violência do exercício de poder.

Com esse espírito crítico, desceu os dez metros da cratera de um metrô do Rio, ainda em construção, para fazer dramaturgia com o espaço em A Morte de Danton (1978), de Buchner. Uma metáfora concreta das forças revolucionárias subterrâneas no enfrentamento da ditadura.

Para Aderbal, a liberdade não excluía a precisão. Na direção de atores e atrizes, julgava necessário que cada artista desenvolvesse sua compreensão do espetáculo, como coautor, para que na atuação não escapasse uma ideia equivocada da cena.

Não via vantagens no “espontaneísmo”. Marcava a movimentação como um coreógrafo, por mais que essa prática não fosse bem vista no teatro contemporâneo.

Quando Julia, a fictícia esposa do revolucionário francês em A Morte de Danton, envenena-se, sai de cena subindo à superfície do metrô. Para Aderbal, esse era um exemplo de solução à qual dificilmente chegaria pela improvisação, ou somente após uma série de sensos comuns como deixar-se cair ou deitar-se.

O que lhe interessava era a expressividade.

Por Mão na Luva, de 1984, com Marco Nanini e Juliana Carneiro da Cunha, conquistou dois prêmios Mambembes (MinC). Vivia um período de intensa troca com a América Latina, principalmente com o Uruguai, onde levou o prêmio de melhor espetáculo estrangeiro de 1985.

Em 1990, fundou o Centro de Demolição e de Construção do Espetáculo, em uma ocupação-recuperação do Teatro Glaucio Gil, materializando a ideia de que no teatro “não há regras, as formas são demolidas e reconstruídas”.

Lá estreou A mulher carioca aos 22 anos, romance de João de Minas que Aderbal achara anos antes em um sebo e comparara a Nelson Rodrigues. As 210 páginas do livro tornaram-se quatro horas de um romance-em-cena que investia radicalmente na narratividade e renderia ao diretor o Prêmio Shell.

Nos anos seguintes conduziu o público pelas salas do Palácio do Catete para contar a trajetória de Getúlio Vargas, em O Tiro que Mudou a História (1991), e espalhou cenas de Tiradentes, Inconfidência no Rio (1992) por museus, ruas e porões, convidando grupos de espectadores a realizarem o percurso em ônibus fretados.

Em 1994, Aderbal passa a dirigir o Teatro Carlos Gomes, onde montou A Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues.

Com tantos nomes de vulto em sua trajetória, é impossível sintetizar todo o frisson que suas produções causaram – como o Hamlet despojado de Wagner Moura, em 2008, que irritou parte da crítica e foi dito “o Hamlet de uma geração” por outra.

Nos anos 2000, também ganharam força seus romances-em-cena, como Púcaro Búlgaro (2006), de Campos de Carvalho, e Moby Dick (2009), de Melville. O monstruoso não era construído no palco, onde quatro atores narravam, mas provocado na imaginação do espectador.

Aderbal já se definiu como coreógrafo de palavras, signos e ações. Foi um experimentador das matérias do mundo, o que talvez seja uma boa definição para um encenador de teatro.

A bonita parceria com Marieta Severo chegou a peças como As Centenárias, de Newton Moreno (2009), e a tragédia libanesa Incêndios (2013). Mantiveram uma relação de duas décadas, vivendo em residências separadas até que Aderbal sofreu um AVC em 2020 e ela montou uma UTI em casa para cuidar do marido.

Em um de seus trabalhos derradeiros, dirigiu Lucélia Santos e Beatriz Azevedo no Cabaré Transpoético (2019), inspirado pelo Cabaré Voltaire suíço, onde vanguardistas refugiavam-se em meio à Primeira Guerra Mundial.

Na última década, acirrou a crítica social em sua fala e escrita, e lamentou a desconexão da população com uma arte que, nos anos de chumbo, fizera-se porta-voz da luta política.

A quem lhe perguntasse sobre a importância do teatro para a sociedade, respondia: nenhuma. A quem se preocupasse com o futuro dessa arte, contudo, professava que chegaria o dia em que tudo seria feito por aplicativo – menos o teatro.

Aderbal Freire-Filho faleceu na quarta-feira (9). Ele estava internado há meses devido a um acidente vascular cerebral.

(Créditos autorais: https://www.msn.com/pt-br/entretenimento/noticias – Folha de S.Paulo/ ENTRETENIMENTO/ NOTÍCIAS/ História por LUCIANA ROMAGNOLLI/ SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – 10/08/2023)

(Créditos autorais: https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil – Pipoca Moderna/ NOTÍCIAS/ BRASIL/ História por Pedro Prado – 09/08/23)

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