A saga de um pioneiro

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A saga de um pioneiro

Carl Fischer, empresário alemão, discreto, tenaz e autodidata, radicado no Brasil desde 1928, presidente do Grupo Fischer. A trajetória do empresário Carl Fischer é idêntica ao clássico modelo de outros fundadores de grandes conglomerados brasileiros. Discreto como Sebastião Camargo, dono da maior fortuna do país e da construtora Camargo Corrêa, obstinado como Valentim dos Santos Diniz, que ergueu de uma confeitaria o maior grupo varejista brasileiro, o Pão de Açúcar, e autodidata como Amador Aguiar, proprietário do Bradesco, Fischer começou do nada – explorou cada oportunidade de negócio que lhe surgiu e levantou, com comando no Rio de Janeiro, um império de 34 empresas calcado sobre dois pilares: a exportação de suco de laranja ancorada na gigantesca Citrosuco Paulista, e a navegação marítima, representada pela Aliança.
Nascido em Bentheim, um pequeno vilarejo ao norte da Alemanha, que aos 19 anos decidiu imigrar “para fazer o mundo”, como gostava de dizer. Queria ir aos Estados Unidos, mas não preenchia os requisitos exigidos e o visto lhe foi negado. Tentou o Canadá – e a cena se repetiu. “Há pessoas que não desanimam frente a obstáculos, mas se excitam com eles. Fischer era um homem assim”, diz o ex-ministro do Planejamento e deputado federal Antonio Delfim Netto, um de seus amigos mais íntimos. O empresário optou, então, pela Argentina e embarcou com alguns trocados e uma passagem de terceira classe na carteira. Quando o navio fez uma escala em Santos, Fischer desceu ao porto para ver os navios, uma de suas paixões.

Tal esticada de pernas mudou o destino final de sua viagem e foi a gênese de um dos 100 maiores grupos privados nacionais com 15 000 funcionários e um faturamento anual de 1 bilhão de dólares administrado pela holding Tapajós. A estrela dessa constelação de empresas é a Citrosuco, responsável por quase a metade das vendas do grupo e por 35% de todas as exportações brasileiras de suco de laranja – só perde para a Sucocítrico, do empresário paulista José Cutrale, seu amigo, concorrente e sócio. Instalada em Matão, no interior paulista, a Citrosuco surgiu da sociedade de Fischer com o grupo Eckes, um dos maiores fabricantes de bebidas da Alemanha, e é a empresa-mãe de dezenas de outras indústrias e fazendas, onde há de tudo e em grandes quantidades – 2 milhões de pés de laranja, mais de 1 milhão de pés de maça, café, cacau, arroz, madeiras para serrarias e perto de 30 000 cabeças de gado.

Do outro lado do grupo Fischer, os negócios correm pelo mar. A Empresa de Navegação Aliança, uma das maiores do setor, com catorze navios próprios e outros catorze fretados, faz as exportações do grupo e estende por outras quatro empresas controladas todo tipo de serviços marítimos comerciais, da manutenção de contêineres ao transporte de equipamentos e às plataformas de petróleo que a Petrobrás tem em alto-mar. Na segunda-feira, dia 25 de janeiro, 1988, durante um cruzeiro marítimo pela Europa e sudeste asiático. Fischer teve uma parada cardíaca e faleceu, em Cingapura. Ao morrer a milhares de quilômetros do Brasil, aos 79 anos, numa viagem que deveria ser de férias, ele estava empenhado em fazer o que sempre fez. Procurava expandir seus negócios, vendendo sucos de frutas produzidos pela Citrosuco, sua maior empresa, aos chineses. Teria sido mais uma aventura pioneira deste filho de camponeses.

Esse império familiar agora passa às mãos de seus dois filhos, o primogênito Carlos Guilherme Eduardo, de 49 anos e presidente da Aliança, e Pedro Alberto, de 47 anos, que trabalhou no grupo, acabou se desentendendo com o pai e montou, no Rio de Janeiro, um pequeno negócio de exportação – seguindo, a rigor, a mesma trilha de Carl Fischer. “Pedro e o pai eram como dois ímãs de pólos iguais”, diz Dênis Bruce Boggiss, assessor da diretoria da Tapajós. “A qualquer contato se repeliam, embora se quisessem muito.”
PAIXÃO E ASTÚCIA – Carlos é o sucessor natural ao comando do grupo, que ao lado de sucos de marcas conhecidas, como Lanjal e Tanjal, fábrica bebidas alcoólicas como vodcas, steinhäger e licores. É Pedro, no entanto, quem detém o maior número de ações do conglomerado, por ser solteiro – Carlos dividiu sua parte com a mulher, Maria do Rosário, e suas quatro filhas. Carlos o mais cotado para ocupar a solene sala no 11ª andar do edifício-sede do grupo, em Botafogo, de onde Carl Fischer comandava a organização que construiu mesclando paixão, astúcia e senso de observação.

Foi um longo e duro caminho, nestes últimos sessenta anos. Ao desembarcar em Santos, Fischer passou a trabalhar numa pequena olaria. Dormia no galpão da sede do Clube de Regatas Saldanha da Gama, onde arranjara uma vaga na equipe de remo, o que lhe garantia também o café da manhã e as refeições nos fins de semana. O empresário logo conseguiu um emprego na área externa de um banco alemão e foi lá que, valendo-se de um expediente ardiloso, deixou de ser um imigrante pobre para transformar-se num dos cinco homens mais ricos do país.

Observando o preço baixo das frutas, pensou em exportá-las e começou a escrever cartas de crédito a importadores alemães copiando seus nomes nas listas que conseguia no próprio banco. “Fazia isso sem ter o que exportar e nem dinheiro para comprar as tais frutas”, conta Boggiss. A diretoria do banco descobriu o embuste e o demitiu – mas antes cedeu-lhe um empréstimo para tocar seus negócios. “Ele foi um dos primeiros a exportar frutas e sucos neste país”, diz o ex-diretor da Carteira de Comércio Exterior, a Cacex, Carlos Viacava. “Era um pioneiro, e não só em laranjas. Ao morrer estava vendendo maças para a Europa, algo que ninguém fez antes.”

Tal como todo grande empreendedor, Fischer estava sempre atento às oportunidades de ampliar seus negócios e, com tal propósito, aliava-se até aos concorrentes. Fez assim com o arqui-rival Cutrale, um homem de origens tão humildes quanto as suas, associando-se a ele em várias empresas e na recente iniciativa de vender suco de laranja à União Soviética. Fez o mesmo com o armador carioca Paulo Ferraz, Fischer apresentou a Ferraz o projeto de um navio versátil e barato, que se transformaria no maior sucesso de vendas da Companhia Comércio e Navegação. “Foi a melhor sociedade do meu pai”, diz Hélio Paulo Ferraz, filho do armador, que se suicidou em 1984.
Outro amigo de Fischer, o presidente do conselho de administração da Vale do Rio Doce no exterior, Eliezer Batista, diz que o maior prazer do empresário era abrir novos mercados, não importa onde nem em que situação. Era exatamente o que Fischer estava fazendo enquanto viajava com a mulher, Lily. “Meu pai pensava em trabalho 24 horas por dia”, diz Carlos Guilherme. Em sua última viagem, Fischer queria realizar dois sonhos – conhecer a Índia e vender sucos à China. Não chegou à Índia, mas fez contatos para fechar negócios futuros com os chineses. Conseguiu “fazer o mundo”, como pretendia. Fischer morreu dia 25 de janeiro, 1988, aos 79 anos, de ataque cardíaco, em Cingapura, na Indonésia.

(Fonte: Veja, 3 de fevereiro, 1988 – Edição N° 1013 – DATAS – Pág; 65 – MEMÓRIA/ Pág; 72 e 73)

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