Um breve relato sobre a História Naval
“A arte da guerra nos ensina a não confiar na probabilidade do inimigo não vir, mas sim na capacidade de prontidão em recebê-lo”. SUN TZU[1]
As guerras sempre fizeram parte da história da humanidade. A História Naval, parte integrante da História Marítima, trata da guerra no mar, mais especificamente, do emprego de um Poder Naval[2] na disputa pelo controle de uma área marítima. A História Marítima abrange as demais atividades e os fatos ocorridos no mar.
Desde a Antiguidade[3] o uso do mar, como fonte natural de recursos e meio de circulação de riquezas, causou o aparecimento da pirataria e despertou interesses antagônicos. A progressiva ameaça ao comércio marítimo acarretou o surgimento do navio de guerra para proteger os navios mercantes. Nascia assim a Marinha de Guerra. Durante séculos, o Mar Mediterrâneo foi o principal Teatro de Operações Marítimo (TOM) e via marítima comercial.
A guerra naval na Antiguidade e na Idade Média[4] era realizada de acordo com as seguintes fases: manobras de aproximação entre os navios, lançamento de armas de arremesso (flechas, dardos e misturas incendiárias) e, após a abordagem, combate corpo a corpo nos conveses utilizando armas brancas. Naquele período, duas táticas predominavam. O abalroamento que combinava choque e movimento e a abordagem. O abalroamento estava associado ao uso do esporão, protuberância de bronze integrada na proa dos navios de guerra. Sua função principal era perfurar o casco. Também poderia ser empregado para atacar os remos da embarcação inimiga, com o objetivo de restringir a sua capacidade de manobra. A abordagem consistia na fixação a contra bordo do navio adversário, para proceder a luta corpo a corpo nos conveses e apresar o navio como fonte de renda.

O esporão na proa era usado para perfurar o casco de outros navios de guerra
As armas de arremesso não eram capazes de infligir danos significativos à estrutura do navio adversário. Dessa forma, até o século XV, o grande objetivo da guerra naval era neutralizar o combatente inimigo. Os navios eram movidos por remadores na aproximação para o combate. A vela quadrada era utilizada para o descanso dos remadores nas longas travessias.
Em 480 a.C, durante as guerras greco-pérsicas, a Batalha de Salamina, que foi combatida com triremes, foi a mais importante Batalha Naval da Antiguidade. As trirremes foram os principais navios de guerra daquele período. Elas tinham três ordens de remos para aumentar a velocidade, ou seja, os remadores eram dispostos lado a lado e em níveis diferentes de bancadas.
No estreito entre a Ilha Salamina e a Grécia, a esquadra grega em grande desvantagem numérica derrotou a esquadra Persa. Esta vitória interrompeu a sequência de tentativas de invasão da Pérsia sobre a Grécia e Atenas se tornou a maior potência naval do mundo grego.

Guerras Punicas
A guerra no mar só iria se modificar no final da Idade Média com o surgimento do canhão. Devido ao seu crescente poder de destruição produziu significativas alterações na guerra naval. Após o sucesso observado nos combates terrestres foram trazidos para bordo e, inicialmente, instalados na proa e na popa das embarcações devido à propulsão a remos. Para sua instalação em maior número, forçou lentamente o abandono da propulsão a remos. Na tática, provocou a decadência da abordagem e do abalroamento. O navio adversário passaria a ser o novo objetivo da guerra naval e não mais o combatente. À medida que o calibre e o peso dos canhões aumentou, surgiu a necessidade de construir um convés abaixo do convés principal, e fazer aberturas no costado para instalação dos mesmos pelos bordos.

Canhão no Museu Naval da Praça XV – Foto: Alexandre Galante
Durante o século XVI, o Mar Mediterrâneo foi um teatro de operações que rivalizou cristãos e muçulmanos. Esperava-se que uma batalha decisiva entre duas esquadras resolvesse o conflito. Em 1571, para conter a expansão dos turcos otomanos no mediterrâneo oriental e na Europa tivemos a Batalha Naval de Lepanto (Grécia), última batalha entre navios com propulsão a remos. Essa batalha foi realizada pela Santa Liga, coalizão naval de estados católicos (espanhóis, genoveses e venezianos) contra os turcos otomanos.

A Batalho de Lepanto – Laureys a Castro
Na Idade Contemporânea[5], a História Naval foi marcada por significativas transformações tecnológicas no setor da construção, na propulsão e no armamento. A Revolução Industrial trouxe propulsão a vapor, substituição da madeira pelo ferro (couraça), projetil explosivo, o hélice para substituir as rodas de pá, o aparecimento das minas e dos torpedos.
O navio a vapor não dependia mais dos ventos para navegar. A introdução das couraças de ferro nos cascos reduziu os danos causados pelos tiros de canhões. Por outro lado, fez com que os canhões aumentassem seus calibres e se tornassem mais potentes. No que se refere à tática, a manobra dos navios buscava possuir o vento, ou seja, obter a posição do barlavento para iniciar o ataque.

A Batalha de Trafalgar, 21 de outubro de 1805, início da ação

Batalha de Trafalgar – Patrick O’Brien
A guerra no mar não é um fim em si mesma e toda batalha tem algum efeito na história. Retornando ao início do século XIX, Napoleão Bonaparte, coroado imperador na França em 1804, iniciou uma política expansionista na Europa e encontrou como principal inimigo a Inglaterra.
A Batalha Naval de Trafalgar[6] ocorrida em 1805, entre a esquadra inglesa e a esquadra franco-espanhola, resultou na vitória britânica e no fracasso do “Grande Projeto” de Napoleão Bonaparte, que era invadir a Grã-Bretanha. Vale ressaltar que, esta foi a última batalha naval de navios com propulsão à vela.
Na Guerra Civil Norte-Americana ou Guerra da Secessão (1861-1865), o navio encouraçado passou a se afirmar em relação aos navios de madeira. Em 1862, em “Hampton Roads”, tivemos a primeira batalha naval entre dois navios encouraçados.

USS Monitor versus CSS Virginia
O CSS Virginia dos confederados (sulistas) foi construído a partir do casco de madeira da Fragata USS Merrimack. O navio possuía propulsão a vapor, chapas de ferro, canhões de diferentes calibres e um esporão na proa.
O USS Monitor da União já tinha leme, hélice, possuía uma couraça de ferro e dois canhões montados numa torre giratória, que permitia conteirar e atirar sem ter que manobrar o navio.
A principal operação de guerra naval da Marinha da União foi o bloqueio naval nos portos Confederados. Para combater o bloqueio da união sobre os portos do sul foi construído um submarino, que foi projetado por Horace Lawson Hunley. A propulsão era humana. O hélice era movido por manivelas movimentadas pelos tripulantes.

CSS Hunley ataca o USS Housatonic

Seção transversal de Hunley
No dia 17 de fevereiro de 1864, o submarino Hunley afundou o navio veleiro USS Housatonic da União, que estava bloqueando o porto de Charleston na Carolina do sul. O Hunley era equipado com uma lança que possuía material explosivo na extremidade.
No século XX, as guerras no mar não mais se restringiriam somente aos navios de guerra. O emprego de submarinos e a capacidade ofensiva da aviação embarcada, nas duas grandes guerras mundiais, trouxeram uma nova dimensão aos conflitos armados.

Submarino alemão U10
Na Primeira Guerra Mundial, cabe ressaltar a campanha submarina realizada pelos alemães, o emprego de comboios na proteção do tráfego marítimo e a Batalha naval da Jutlândia, entre alemães e ingleses, que envolveu 250 navios.

Na Batalha da Jutlândia da Primeira Guerra Mundial, em maio e junho de 1916, as frotas britânica e alemã se enfrentaram no Mar do Norte. Foi a maior batalha naval da guerra, com o objetivo dos britânicos de manter o bloqueio naval contra a Alemanha e da Alemanha de rompê-lo

Naufrágio do cruzador alemão SMS Bluecher, na Batalha de Dogger Bank, no Mar do Norte, entre encouraçados alemães e britânicos, em 24 de janeiro de 1915. O Bluecher afundou com a perda de quase mil marinheiros. Esta foto foi tirada do convés do cruzador britânico Arethusia.
Na Segunda Guerra Mundial, o Navio Aeródromo (NAe) passou a ser a unidade de maior valor da esquadra em substituição ao Encouraçado. O canhão naval atingiu o seu auge. As operações anfíbias foram muito empregadas, em especial, o desembarque na Normandia (Operação Overlord) e no Teatro de Operações do Pacífico.

Navios do task Group 38.3 operando ao largo de Okinawa, em maio de 1945
Na segunda metade do século XX, o surgimento dos mísseis, em função do seu alcance, precisão e poder de causar avarias nas múltiplas ameaças, causou um novo impacto na guerra naval.

Em 21 de outubro de 1967, dois barcos egípcios classe Osa construídos pela União Soviética (Project 183R) afundaram o destróier israelense “Eilat” com mísseis antinavio P-15 Termit/SS-N-2 Styx
Em 1967, a Guerra dos Seis Dias foi um conflito armado entre o Estado de Israel e os Estados árabes (Egito, Síria e Jordânia). Esse combate foi mais um periodo da tensão entre árabes e israelenses desde a fundação do Estado de Israel em 1948.
Em 21 de outubro de 1967, o contratorpedeiro israelense “Eilat” foi o primeiro navio de guerra a ser afundado por mísseis. Este ataque foi realizado por duas lanchas egipcias da classe Komar, que lançaram mísseis superfície-superfície “Styx” de fabricação russa.

Contratorpedeiro Eilat
No que se refere aos avanços tecnológicos, a guerra naval no século XXI está na era da robótica e da inteligência artificial (IA). Em 2025, a Marinha norte-americana divulgou um video, a bordo do contratorpedeiro USS Preble (DDG 88), testando a arma laser de alta energia HELIOS (“High Energy Laser with Integrated Optical-Dazzler and Surveillance”) contra um drone. Essa arma tem uma tecnologia capaz de proteger navios de guerra, engajar drones e pequenas embarcações.

USS Preble (DDG 88), testando a arma laser de alta energia HELIOS
O contratorpedeiro USS Fitzgerald (DDG 62) é o primeiro navio a instalar um Sistema de inteligência artificial – Enterprise Remote Monitoring (ERM) para identificar previamente necessidades de manutenção em equipamentos.
Finalmente, as guerras e os avanços tecnológicos sempre caminharam lado a lado. Ao longo dos séculos, a evolução da guerra naval promoveu constantes inovações na arquitetura dos navios, na propulsão, no armamento, nas comunicações e, mais recentemente, nos sistemas de dados.
(Créditos autorais reservados: https://www.naval.com.br/blog/2025/04/27 – Sérgio Vieira Reale/ Capitão-de-Fragata (RM1)/ Redação Forças de Defesa – 27 de abril de 2025)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E SITES CONSULTADOS
- ALBUQUERQUE, Antônio Luiz Porto; SILVA, Léo Fonseca e. Fatos da História Naval. 2.ed. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha. 2006.
- LIDDELL, H. As grandes guerras da história. São Paulo, Ibrasa. 1982.
- VIDIGAL, Armando e de Almeida, Francisco Eduardo Alves. Guerra no Mar: batalhas e campanhas navais que mudaram a história. Record. 2009.
- JUNIOR, Haroldo Basto Cordeiro. DE ARS BELLUM. O estado da arte bélica no inicio do século XX. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v. 121, n. 01/03, jan/mar. 2001.
- https://www.naval.com.br/blog/2025/02/03/us-navy-divulga-imagens-do-teste-do-helios-a-bordo-do-uss-preble/
- https://www.twz.com/news-features/destroyer-has-become-first-u-s-navy-ship-to-deploy-artificial-intelligence-system
[1] Filósofo e pensador militar chinês.
[2] O Poder Naval é o braço armado do Poder Marítimo.Compreende os meios navais, aeronavais e de fuzileiros navais, as bases e posições de apoio da Marinha.
[3] Período compreendido entre a invenção da escrita e a queda do Império Romano Ocidente 476 d.C
[4] Período compreendido entre a queda do Império Romano do Ocidente 476 d.C e a conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453 d.C
[5] Período compreendido entre a Revolução Francesa, em 1789, e os dias de hoje.
[6] Cabo localizado ao sul da cidade de Cádiz na costa espanhola.
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