Margaret Mead, foi a mais famosa antropóloga do mundo, teve um prolongado convívio com o professor Franz Boas, seu mestre e introdutor da moderna antropologia nos EUA

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Margaret Mead: uma revolução na Antropologia e nos padrões mais enraizados da civilização ocidental

 

Margaret Mead (Foto: 2012books.lardbucket.org)

Margaret Mead (Foto: 2012books.lardbucket.org)

 

O fenômeno Mead incluiu em seu currículo um prolongado convívio com o professor Franz Boas, seu mestre e introdutor da moderna antropologia nos Estados Unidos.

 

Margaret Mead (Filadélfia, Pensilvânia, 16 de dezembro de 1901 – Nova York, 15 de novembro de 1978), a mais famosa antropóloga do mundo. Exerceu, com a aplicação de sempre, suas funções de diretora do Museu Americano de História Natural, onde trabalhou durante mais de meio século. Além de 23 livros, Margaret Mead – uma figura elétrica, sempre empunhando um cajado – deixou uma legenda a desafiar quem pretenda defini-la. A fórmula mais feliz terá sido, talvez, a da revista Time, que viu nela “algo mais que uma antropóloga e pouco menos que um oráculo nacional”.

Margaret Mead foi definida da maneira mais variada, entre outras coisas, ela foi antropóloga, humanista, professora da Universidade de Columbia, profeta, chefe do Departamento de Antropologia do Museu Americano de História Natural, guru de certa juventude americana, autora de 23 livros, alguns deles best-sellers (como seu primeiro, “Coming of Agein Samoa”, 1928), e todos eles respeitados pela comunidade universitária mundial.

Com efeito, seria inútil tentar resumi-la a seus livros, que lhe valeram inabalável respeito entre os cientistas sociais e que se constituíram, quase sempre, em permanentes best-sellers: sua primeira obra, o clássico “Coming of Age in Samoa”, de 1928, vem sendo desde então ininterruptamente reeditada. Foi este livro, aliás, que lhe abriu o caminho para ser “um oráculo nacional” – uma personagem cuja importância, na cultura americana do século XX, só encontra equivalente no dr. Benjamin Spock, o liberalizante autor de “Meu Filho, Meu Tesouro”, manual que só nos Estados Unidos já orientou a primeira infância de dezenas de milhões de pessoas.

EM SAMOA – Em meados da década de 20, depois de formar-se em Psicologia, Margaret Mead estudou Antropologia com Franz Boas (1858-1942) e Ruth Benedict (1887-1948), na Universidade de Colúmbia. Ao mesmo tempo, interessava-se pelas teoria de Freud, que começavam a chegar aos Estados Unidos. E, no momento de escolher um tema para sua tese de doutoramento, resolveu partir desta indagação: a chamada “crise da adolescência”, cada vez mais preocupante no ocidente, existiria também em outras civilizações? Suas experiências e observações na ilha de Samoa, na Polinésia mostraram-lhe que nesse perdido canto de mundo não havia o menor sinal de “crise da adolescência” nem de repressão sexual – distorções imputáveis, portanto, ao tipo e aos métodos de educação adotados no ocidente. Tratava-se, pois, de rever tudo, liberalizar.

O barulho provocado pela tese ainda não se extinguira quando Margaret Mead partiu para as ilhas da Nova Guiné. Perguntava-se, agora, se os diferentes papeis sexuais tinham raízes biológicas ou culturais. Pode-se supor que essa preocupação fosse pelo menos alimentada pela situação pessoal que ela mesma vivia: estava casada pela segunda vez, com um antropólogo neozelandês, Reo Fortune (1903-1979), e ao casal se veio juntar, na Nova Guiné, um terceiro antropólogo, o inglês Gregory Bateson (1904-1980) – com quem viria a se casar pouco depois. A experiência amorosa e científica desse triângulo, somada à observação dos nativos, forneceria a Margaret algumas respostas a suas indagações. As diferenças entre os papeis sexuais, escreveu em “Sexo e Temperamento”, eram de ordem puramente cultural. Era, pois, necessário redefinir esses papéis com base não no sexo biológico mas no temperamento.

“VELHA MALDITA” –- Se a tese é fascinante, revolucionária, capaz de dividir paixões até hoje, por outro lado Margaret incorre em pelo menos uma contradição de fundo, e aí se mostra subitamente conservadora: a organização familiar que propõe é a tradicional, com a mulher destinada primordialmente à maternidade. Não é de estranhar que as feministas tenham comprado a briga. Mais tarde, Margaret Mead – que talvez fosse mais profundamente feminista que suas detratoras – reviu suas posições e chegou a seguir um “casamento em dois níveis”, conforme se quisesse ou não ter filhos. Em 1972, falava de um casamento flexível, pois “é perfeitamente aceitável que os cônjuges busquem outras opções”.

Por seus livros, artigos, conferências, aulas e entrevistas, o que ela pregou foi uma reformulação cada vez mais abrangente e profunda nos costumes da sociedade ocidental, da americana especialmente. Com ousadia e segurança, agitou dezenas de temas os mais diversos – da poluição ao sexo, do serviço militar ao planejamento urbano, da arte aos costumes tribais. Quando esteve no Brasil, por exemplo, no começo de 1977, para participar do IV Fórum Pan-Americano para os Estudos da Adolescência, mostrou-se informada e apreensiva a respeito da devastação da Amazônia.

Suas posições, naturalmente, lhe valeram não poucas inimizades. Sobre sua defesa do aborto choveram invectivas, e um governador da Flórida chamou-a de velha maldita quando ela depôs a favor do uso da maconha numa Comissão Senatorial de Inquérito. No terreno científico, houve quem a acusasse de falta de rigor e às vezes com razão, pois também aí Margaret Mead não se prendia a ortodoxias. Seu espírito nada conformista provocava críticas às quais, aliás, nunca pareceu das importância. Meu avô jamais bebeu álcool, respondeu certa vez, mas, no dia em que votaram a lei seca, ele levou para casa uma garrafa de uísque.

Quando completou 75 anos, Margaret Mead recebeu repórteres e foi taxativa: Sei que mais cedo ou mais tarde vou morrer, disse ela, mas não pretendo me aposentar. Pouco tempo mais tarde, soube que tinha câncer – a doença que a mataria no dia 15 de novembro de 1978, em Nova York, aos 77 anos incompletos. Mas a promessa foi cumprida: até a véspera de seu internamento, dia 2 de outubro, Margaret exerceu suas funções com dedicação.

Se não formos capazes de defender todas as pessoas, não seremos capazes de defender nada. É como na discussão sobre a triagem – o processo de seleção dos feridos de guerra que devem ou não ser abandonados. Se dizemos nada podemos fazer pelos índios, eles que morram de fome, acabaremos dizendo nada podemos fazer pelas pessoas de Massachusetts ou da Califórnia. O que um país faz com a parcela menos importante de sua população, ele acabará fazendo um dia com toda sua população.

Não se pode manter uma cultura intocável. Todos os povos que entram em contato com uma tecnologia mais avançada, com um conceito de Deus mais amplo, com um sistema político mais eficiente, querem mudar. A não ser que tenham sido desprezados e esmagados a um tal ponto que, em reação, eles retrocedam.

Se tirarmos a cultura do indígena abruptamente, ele morre. Porém o importante não é proteger a cultura, é proteger as pessoas que são essa cultura. A cada ano, 250 espécies de plantas, animais e culturas humanas desaparecem irremediavelmente. São necessárias dezenas de séculos para formar uma língua. E apenas alguns dias para destruí-la com alguns tratores. Todos os países do mundo devem compreender que estamos em 1977, e não em 1980 ou 1910. Os países jovens devem tirar alguma lição dos erros cometidos por países mais antigos e construir uma nova ética. Todo país que tratar hoje seus indígenas como seres humanos dignos terá o apoio mundial.”
Os que negligenciam seus velhos, os segregam, são aqueles que morrem de medo de envelhecer – e que viverão dominados pelo pavor da idade e do amadurecimento. Como os americanos, que têm muito medo da morte. Mas será preciso perguntar: se os velhos se repetem, não será porque ninguém os ouve? Se os velhos ficam diante da televisão (a maneira mais rápida e tétrica de envelhecer), não será porque ninguém fala com eles? O importante é que, a menos que tenhamos velhos com que possamos nos identificar positivamente, vamos passar a vida com medo da idade.”

O que chamamos raça é, na verdade, uma subespécie humana. Se nos misturarmos é porque somos todos humanos, pertencemos todos à mesma espécie – o que chamam de ‘raça humana’. O homem é homem porque felizmente é promíscuo.”

Se tirarmos a cultura do indígena abruptamente, ele morre. Porém o importante não é proteger a cultura, é proteger as pessoas que são essa cultura. A cada ano espécies de plantas, animais e culturas humanas desaparecem irremediavelmente. São necessárias dezenas de séculos para formar uma língua.

E apenas alguns dias para destruí-la com alguns tratores. Todos os países do mundo devem compreender que estamos em 1977, e não em 1880 ou 1910. Os países jovens devem tirar alguma lição dos erros cometidos por países mais antigos, e construir uma nova ética. Todo país que tratar seus indígenas como seres humanos dignos terá o apoio mundial.

(Fonte: Veja, 22 de novembro de 1978 – Edição 533 – DATAS – Pág; 131/132)

(Fonte: Veja, 2 de fevereiro de 1977 – Edição 439 – Entrevista: Por Cláudio Bojunga – Pág: 3, 4 e 5)

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