Gérard Lebrun, foi um filósofo e historiador da Filosofia francês

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Gérard Lebrun (Paris, 1930 – Paris, 13 de dezembro de 1999), foi um filósofo e historiador da Filosofia francês.

Relação interrompida

Lebrun faria 70 anos em fevereiro próximo. Não vinha ao Brasil desde o final de 96, interrompendo uma relação regular com o país que manteve por mais de três décadas. O filósofo cortou vínculos com o Brasil depois que foi acusado de pedofilia, no final de 96. Na época, Lebrun foi citado pelo gari desempregado Argenil Pereira, que, flagrado pela polícia carioca com fotos em que simulava relações sexuais com duas meninas, de 7 e 9 anos, afirmou que o filósofo havia lhe encomendado o material. Lebrun negou as acusações e assumiu publicamente na época que era homossexual.

Sua prisão preventiva chegou a ser decretada no Brasil em janeiro de 97 e, desde então, Lebrun nunca mais voltou ao país. Segundo amigos, ele não se recuperaria da mágoa que o episódio lhe provocou. “Ele foi uma das pessoas que mais contribuíram para a filosofia no Brasil e acabou sacrificado por nossa volúpia de destruição”, disse José Arthur Giannotti, intelectual brasileiro, amigo de Lebrun, referindo-se à repercussão do escândalo.

Influência no Brasil

Gérard Lebrun foi, de todos os pensadores franceses, o que, de longe, mais marcou e exerceu influência sobre a filosofia brasileira. Entre 1960 e meados da década de 90, morou entre o Brasil, sobretudo em São Paulo, e a França.

Costumava lecionar um semestre na USP e outro em Aix-en-Provence, nos arredores de Paris.
O filósofo chegou ao país pela primeira vez em novembro de 60, poucas semanas depois de o filósofo Jean-Paul Sartre, na época uma das maiores personalidades filosóficas do mundo, ter deixado o país, onde permaneceu por quase três meses viajando.

Lebrun permaneceu em São Paulo de 60 a 66. Foi aqui que preparou e escreveu sua tese de doutorado, “Kant e o Fim da Metafísica”, que defenderia na França. O estudo, um longo ensaio de quase 800 páginas sobre a crítica do juízo kantiana, foi publicado em livro na França, em 1970.

A primeira intervenção intelectual pública de Lebrun no Brasil foi inusitada: um ensaio escrito em fins de 62, em que fazia a crítica de “Consciência e Realidade Nacional”, obra em dois volumes e quase mil páginas de Álvaro Vieira Pinto, na época um dos principais expoentes do Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), que reunia pensadores cariocas em torno de posições nacionalistas de esquerda.

Lebrun mostrava que a obra de Vieira Pinto era um pastiche disfarçado do pensamento francês influenciado pelo existencialismo alemão, de índole conservadora.

Sobre sua relação com a Faculdade de Filosofia da USP nos anos 60, localizada na rua Maria Antônia, Lebrun disse uma vez: “Foi o momento mais feliz da minha vida universitária, da minha vida, talvez. Eu tenho certeza de que todas as pessoas que conheceram essa época não podem deixar de ter saudade da Maria Antônia”.

O relato consta do livro “Um Departamento Francês de Ultramar – Estudos Sobre a Formação da Cultura Filosófica Uspiana” (Paz e Terra, 1994), do filósofo Paulo Eduardo Arantes.

No primeiro capítulo do livro, Arantes conta a influência que Lebrun exercia sobre a filosofia local: “Era ainda aluno quando Bento Prado Jr. me passou uma pasta contendo uma dezena ou mais de artigos inéditos de Gérard Lebrun, com uma recomendação expressa: leia, estude e procure imitar, pois é assim que se deve pensar e escrever”.

O fascínio que Lebrun despertava nos jovens brasileiros não era um fenômeno isolado. O filósofo era amigo de Michel Foucault, expoente da geração de pensadores franceses pós-estruturalistas, que dominaria a cena intelectual a partir de meados dos anos 60. Foucault esteve no Brasil em 65, convidado por Lebrun. Apresentou pela primeira seu livro “As Palavras e as Coisas”, que seria publicado em Paris em 66, em um curso ministrado na USP.

Hegel na Tunísia

Entre o final dos anos 60 e o início dos 70, Lebrun morou uma temporada na Tunísia e outra no Chile. Seu livro mais famoso, “La Patience du Concept – Essai sur le Discours Hégélien”, publicado na França em 72 e ainda inédito no Brasil, foi escrito na Tunísia.

Nele, Lebrun afirmava que a dialética hegeliana não era mais do que “uma maneira de falar” (“une façon de parler”). O livro, saudado como uma bomba intelectual, subvertia mais de 150 anos de interpretação da obra do filósofo alemão Hegel. Lebrun se opunha à tese de que existia uma “filosofia hegeliana” e reduzia o hegelianismo, para horror dos marxistas, a uma “revolução discursiva”, uma “máquina de linguagem especializada em pulverizar categorias petrificadas”, como escreveu Paulo Arantes.

Liberal e antidogmático

O filósofo voltou ao Brasil em 74. Lecionou na USP e na Unicamp. Assumidamente liberal, crítico bem-humorado da esquerda e das ideias marxistas, passou a colaborar no “Jornal da Tarde”. Dessa colaboração nasceu o livro “Passeios ao Léu” (editora Brasiliense), atualmente esgotado.

“Ele foi, em um palavra, um pensador anticlerical, um pensador antidogmático, contra os valores e as práticas mais arraigadas e dissimuladas”, diz Scarlett Marton, professora do departamento de Filosofia da USP, responsável pela organização do volume da revista “Discurso”, do departamento, dedicada a Lebrun, em 93.

“Ninguém como ele tratava da filosofia clássica aos contemporâneos com tanta erudição e desenvoltura”, afirma Milton Meira, também da filosofia da USP.

Lebrun, de fato, criou escola na universidade. Seus cursos, nos anos 60, 70 e até 80 estavam entre os mais disputados, por alunos e professores. Muito teatrais, suas aulas eram pontuadas por piadas sobre os filósofos. Até hoje há vários professores quie o imitam. Tabagista contumaz, -mais de dois maços ao dia-, Lebrun fumava Continental sem filtro durante suas aulas. Contar as bitucas que deixava pelo chão era uma das diversões de seus discípulos.

O filósofo francês Gérard Lebrun, 69, foi encontrado morto em 13 de dezembro de 1999, no seu apartamento em Paris, onde morava sozinho.

Colegas franceses estranharam a ausência do filósofo numa banca de defesa de tese, da qual iria participar como arguidor na manhã do mesmo dia. Telefonaram ao apartamento e, como ninguém respondia, avisaram a polícia, que foi ao local.

 

 

(Fonte: www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1512199922 – FOLHA DE S.PAULO – FERNANDO DE BARROS E SILVA da Reportagem Local – 15/12/1999)

 

 

 

 

 

 

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