Foi o primeiro a descrever os ecossistemas no Brasil

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A melhor obra sobre a flora do Brasil foi escrita por botânico que viajava em lombo de burro

Carl Friedrich Philipp von Martius (Erlangen, 17 de abril de 1794 – Munique, 13 de dezembro de 1868), botânico alemão que pode ser considerado o primeiro brasilianista da História – no tempo em que esse ofício era bem mais complicado do que é hoje. Em lombo de burro, palmilhou o país entre 1817 e 1820, acompanhado de vários escravos e de um conterrâneo, o zoólogo Jean Baptiste von Spix.

Percorreu São Paulo, Minas Gerais, o sertão do Nordeste, chegou a Belém do Pará e, de barco, subiu o Rio Amazonas até a fronteira com o Peru. Guardou na bagagem plantas raras, animais dissecados e empalhados, objetos e artefatos indígenas. Baseado no que viu e no que coletou, escreveu mais tarde Flora Brasiliensis, uma coleção de quarenta volumes classificando 22 700 espécies de plantas brasileiras.

O livro continua a ser, séculos depois, obra de referência obrigatória sobre o tema. Ele fez a divisão das províncias botânicas que, com pequenas variações, é adotada até hoje no Brasil.

A compilação dos quarenta volumes de Flora Brasiliensis levou 66 anos e precisou de três autores. Ao morrer, em 1868, Von Martius já havia preparado dois discípulos seus para completar o trabalho, que só seria concluído em 1904. Von Martius foi o primeiro a descrever os ecossistemas que conhecemos hoje como a Caatinga, o Cerrado, o Pantanal e as matas Atlântica e Amazônica. Por isso, sua obra é fundamental para o especialista.

DEVASTAÇÃO – Já o leigo atravessa com enorme dificuldade seus textos cheios de termos técnicos e nomes científicos de plantas escritos em latim. Mesmo assim, o livro vale por outro atrativo: as ilustrações. A partir de esboços de paisagens traçados por Von Martius, artistas europeus produziram as 3 811 litografias que ilustram a obra. As belas gravuras dão ao leitor a deliciosa oportunidade de admirar cenas do Brasil antigo, como o bairro carioca de Laranjeiras quando ainda era uma fazenda e o morro do Corcovado sem o Cristo Redentor.

Formado em medicina, Von Martius acumulava, já aos 23 anos, uma extraordinária bagagem de conhecimentos em campos como a antropologia, a geografia, a história e a linguística. Amigo de Goethe, cultivava também as artes plásticas, escrevia versos e tocava violino. Essas habilidades acabaram sendo úteis para conhecer e tornar conhecido o Brasil. Suas contribuições abrangem todas essas áreas.

Além de Flora Brasiliensis, escreveu também O Estado do Direito entre os Autóctones do Brasil; Natureza, Doenças, Medicina e Remédios dos Índios Brasileiros; Contribuição à Etnografia e Lingüistica da América e até um romance, Frey Apollonio.

Seu talento como violinista também foi reconhecido na época. Ao saber que havia um alemão que sabia tocar o instrumento de Paganini viajando pelo sertão de Minas Gerais, um fazendeiro do interior de Goiás embarcou seu piano num carro de boi e saiu à procura do forasteiro. O encontro rendeu um sarau no sertão.

A contribuição de Von Martius torna-se mais significativa ainda quando se consideram as condições precárias enfrentadas pelos exploradores da época. Viajando em burros ou em barcos, tinham de abrir trilhas no meio da mata, expostos a picadas de mosquitos, animais dexconhecidos, tempo adverso – seca no Nordeste e tempestades no Norte – e uma população nem sempre disposta a colaborar. Quando atravessava o interior da Bahia, o guia, com medo da longa estiagem, abandonou a expedição em pleno sertão.

Von Martius perdeu aí tempo, parte da tropa e boa parcela do acervo de plantas, animais e objetos que ia colecionando pelo trajeto. Essas dificuldades não impediram o alemão de concluir sua obra e, com ela, traçar um panorama da espantosa riqueza natural do Brasil para os brasileiros.

(Fonte: Veja, 11 de dezembro de 1996 – ANO 24 – N° 50 – Edição 1474 – CULTURA – Maurício Cardoso – Pág; 146/147)

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