A sorte é que, ao contrário das mulheres, as pinturas não retrucam. Von Thyssen

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Hans-Heinrich von Thyssen-Bornemisza (Scheveningen, Holanda, 13 de abril de 1921 – Sant Feliu de Guíxols, Espanha, 26 de abril de 2002), foi um dos homens mais ricos da Europa, possuía o mais valioso acervo particular de arte e, a segunda maior coleção particular de arte do planeta.

Seu acervo de 1.500 obras só perde em tamanho e valor para o da família real inglesa – mas ressalte-se que este, em tese, é patrimônio de todos os súditos britânicos, o que alça a coleção do barão ao primeiro posto.

Para o barão Heini, o amor pela arte vinha no sangue. Seu avô era um camponês alemão que começou com uma fábrica de arames e acabou conhecido como “o Rockefeller do Vale do Ruhr”, em virtude do império que montou na indústria de ferro e aço da região. Foi um dos homens diretamente responsáveis pela industrialização da Alemanha e, com sua fortuna, patrocinou artistas como o escultor francês Auguste Rodin, no século XIX.

O pai de Heini ampliou ainda mais os negócios da família, juntando a eles estaleiros e bancos, e foi quem iniciou a coleção de fato. Ele era movido por um gosto bastante peculiar: só se interessava pelos mestres clássicos, de Canaletto a Rubens, de Ticiano a El Greco. “Meu pai considerava lixo qualquer pintura feita após o século XVIII”, contava o barão. Depois que o patriarca morreu, Von Thyssen assumiu um acervo de 500 preciosidades, mas acabou perdendo boa parte delas para os irmãos, que contestaram o testamento nos tribunais. A partir daquele momento, o jovem barão foi tomado por uma obsessão: gastaria o quanto fosse necessário para recompor a coleção original e a tornaria ainda mais vasta.

Von Thyssen tornou-se, então, um colecionador eclético e voraz. Gastava cerca de 60 milhões de dólares por ano em obras de arte. Aos poucos, expandiu seus interesses para muito além dos clássicos que seduziam seu pai. Adquiriu trabalhos dos impressionistas franceses, dos futuristas italianos e de artistas modernos sem filiação, como o francês de origem polonesa Balthus. Num dia, comprava uma pintura do abstracionista americano Jackson Pollock. No outro, uma tapeçaria medieval e, no seguinte, uma tela clássica do florentino Ghirlandaio. “Gosto de pintura porque é um assunto que nunca rende conversas desagradáveis”, brincava o bilionário. Ele vivia cercado de arte por todos os lados. Em seu quarto na propriedade da família na Suíça, fazia questão de acordar de manhã tendo à sua frente a alegre Jovem com Sombrinha no Jardim, de Renoir.

Nas paredes próximas havia um Manet, um Pissarro e gravuras de Toulouse-Lautrec, entre outros. Em seu estúdio, além da magnífica vista para o Lago Lugano, encontravam-se obras de Monet, Cézanne e uma seleção de seus expressionistas prediletos. À entrada do banheiro, um espaço fora reservado para um trabalho do norueguês Edvard Munch. O grosso da coleção ficava no museu construído nas adjacências da propriedade. Em meados dos anos 80, esse local ficou pequeno demais para abrigar suas aquisições. Preocupado com o futuro das suas obras, o barão selou um acordo com os filhos, segundo o qual seus tesouros não poderiam ser jamais dispersados. Como o governo suíço negou-se a bancar a ampliação de seu museu, Von Thyssen manifestou publicamente o desejo de encontrar um abrigo para suas obras em outro país.

É claro que choveram propostas. A Disney acenou com a possibilidade de abrigá-las em Orlando, na Flórida. Os governos da França e da Alemanha fizeram lances. Margaret Thatcher, na época primeira-ministra da Inglaterra, escreveu várias cartas de próprio punho ao barão, informando-o de que investiria 220 milhões de dólares para erguer um museu em Londres – o lobby inglês se completou com uma visita do príncipe Charles ao magnata. O barão declarou ter se divertido com o assédio, mas declinou gentilmente as propostas. Sua escolha recaiu sobre a Espanha, onde passou seus últimos anos de vida. Por cerca de 350 milhões de dólares, o governo espanhol arrendou 830 obras da coleção Von Thyssen, que desde 1994 podem ser vistas no Museu Thyssen-Bornemisza, em Madri. Mais tarde, outras peças de Heini ganharam exibição permanente num monastério medieval perto de Barcelona.

É fato que, na hora de Von Thyssen decidir qual país abrigaria seu tesouro, a pressão vinda da alcova falou mais alto: sua quinta e última mulher, Carmen Cervera, é espanhola. Eleita miss Espanha nos anos 60, ela era dona do coração do barão, mas virou um pomo de discórdia entre ele e os filhos, que a consideravam o estereótipo da madrasta irascível. Von Thyssen gabava-se de colecionar belas mulheres com o mesmo empenho que dedicava às pinturas. Casou-se, entre outras, com uma modelo inglesa que o decepcionou ao traí-lo com um ator francês pobretão, pouco depois de ter ganhado de presente do marido uma ilha no Caribe. Outra de suas mulheres foi a brasileira Denise Shorto. O barão garantia ter sido feliz na maioria de seus casamentos, mas ressentia-se de que os divórcios custavam-lhe cada vez mais caro. “A sorte é que, ao contrário das mulheres, as pinturas não retrucam”, afirmava.

Mulheres deslumbrantes, vinhos raros e obras-primas da pintura: esses eram os objetos de desejo do barão Von Thyssen que morreu em 27 de abril de 2002, aos 81 anos, em Sant Feliu de Guíxols, Espanha, depois de usufruir à vontade todos esses luxos.

(Fonte: Veja, 9 de maio de 2002 – Ano 35 – N° 18 – Edição 1750 – Arte/ Por Marcelo Marthe – Pág: 122/123)

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