Michel Serrault, ator que teve seu maior sucesso em Zaza, o transformista de A Gaiola das Loucas

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Michel Serrault (Brunoy, Essonne, 24 de janeiro de 1928 -— Honfleur, 29 de julho de 2007), ator francês. Em cinco décadas, ele interpretou centenas de personagens, da comédia à tragédia, com competência invejável. Consta que, na juventude, pretendeu ser padre – mas, depois de alguns dias no seminário, apaixonou-se por uma moça e, com muita sensatez, percebeu que não era bem essa sua vocação. Seu maior sucesso foi Zaza, o transformista de A Gaiola das Loucas, de 1978. Michel Serrault morreu no dia 29 de julho de 2007, aos 79 anos, de câncer, em Honfleur.

(Fonte: Veja, 8 de agosto de 2007 – ANO 40 – N º 31 – Edição n° 2020 – DATAS – Pág; 100)

 

 

 

Participou de 150 filmes, o mais famoso, é claro, A Gaiola das Loucas. Segue abaixo texto que escrevi para o Caderno 2 do Estadão:

Com 79 anos de idade, morreu dia 29 de julho o grande ator francês Michel Serrault, conhecido por seu trabalho em A Gaiola das Loucas. Foi esse, talvez, seu maior sucesso internacional, mas Serrault era uma máquina de trabalho, tendo participado do elenco de mais de 150 filmes durante a carreira. Serrault morreu num hospital de Honfleur, cidade da Normandia onde tinha uma casa. Há dias, havia abandonado o hospital americano de Neully sur Seine, nos arredores de Paris, onde se tratava de um câncer.

A longa carreira de Serrault foi recompensada três vezes com o César, o “Oscar” francês. Uma, por seu trabalho mais conhecido em A Gaiola das Loucas (1978), de Edouard Molinaro (1928-2013); o segundo por Garde à Vue (1981), de Claude Miller (1942-2012), e o último por Nelly et Monsieur Arnaud (1995), de Claude Sautet (1924-2000).

A vida de Serrault pode ser contada em termos cômicos – e humanos. Em vários depoimentos, ele lembrou que tinha duas aspirações na vida – “fazer rir e servir a Deus”. Por isso, flertou com a vida eclesiástica. Mas, como ele mesmo conta, o sorriso das moças em flor cedo o convenceu de que não tinha grande disciplina moral para a castidade. Então, decidiu arquivar uma de suas vocações e dedicar-se à outra.

Iniciou-se em duo com Jean Poiret, que ele conheceu em 1952. Os dois exibiam-se em números cômicos em cabarés parisienses, durante os anos 1950 e 1960. Aliás, Serrault sempre cultivaria esse “humor de boulevard”, forjado no contato direto com o público, no sentido de improviso diante de situações inusitadas e no uso de “cacos” como forma de preencher buracos de roteiros, ou aperfeiçoá-los. Tinha esse sentido inato do cômico, do timing, do momento preciso de dizer uma frase, ou calar e expressar-se com o rosto.

Esse encontro com Poiret rendeu uma colaboração de vários anos. Poiret havia escrito uma peça, uma engraçada chanchada com as peripécias de um casal de homossexuais que mantinha uma casa noturna, A Gaiola das Loucas, depois adaptada no cinema por Molinaro. A peça foi encenada mais de 1.500 vezes, entre 1973 e 1978, em particular no teatro do Palais Royal, em Paris, antes de virar filme.

De certa forma, esse extraordinário sucesso cômico deixou em segundo plano suas interpretações dramáticas, sobretudo fora da França. Mas Serrault trabalhou com uma infinidade de diretores como Henri-Georges Clouzot, Claude Chabrol, Philippe de Broca, Jean Bastia, Claude Zidi, Bertrand Blier, Claude Miller, Claude Sautet, Mathieu Kassowitz, Jean Becker e Régis Wargnier.

Era uma instituição do cinema francês e, em 2003, interpretou a ele mesmo no filme de Bertrand Blier, Les Acteurs, contracenando com outros monstros sagrados como Jean-Paul Belmondo, Gérard Depardieu, Michel Piccoli e Alain Delon. É um filme-homenagem sobre a arte de viver vidas alheias e, nele, Serrault mostra como se pode ser denso, dramático, divertido e irônico ao mesmo tempo. Enfim, como se podem tocar as várias notas da condição humana e não apenas uma delas.

Serrault era tanto uma instituição francesa que ganhou até mesmo um documentário sobre a carreira, intitulado Michel Serrault, le Portrait (Michel Serrault, o Retrato), dirigido por Gérard Jourd’Hui, e lançado este ano.

Recentemente, ele próprio escreveu uma obra autobiográfica, que chamou de Vous Avez Dit Serrault? No livro, fala muito de seu trabalho, como ator cômico e dramático, mas reserva espaço especial para reafirmar a fé católica como baliza para a existência e provedora de um sentido para sua vida. A primeira vocação, abandonada por insuficiente resistência às tentações do mundo, no entanto permaneceu latente, dando-lhe alento em momentos difíceis, como aquele em que perdeu sua filha de 19 anos em acidente de automóvel.

A crítica francesa tende a valorizar mais os trabalhos dramáticos de Serrault, como o que fez em Assassinos, de Mathieu Kassowitz. Nele, faz o papel de Monsieur Wagner, que exerce sua profissão de matador com tamanha dedicação que, ao sentir-se envelhecer, deseja passar toda a sabedoria acumulada para um sucessor mais jovem. A maneira como esse tema é tratado foi motivo de escândalo por ocasião da estréia do filme, em 1997.

O mesmo sucesso já havia acontecido em seu trabalho com Claude Miller, Cidadão sob Custódia (Garde à Vue), de 1981. Interpretando o ambíguo Jérôme Martinaud, que de testemunha de um crime torna-se suspeito, Serrault arrancou de Michel Audiard, dialoguista do filme, a seguinte frase: “Serrault é o maior ator do mundo.”

Idêntica observação poderia ter sido feita a respeito do seu trabalho em Minha Secretária (Nelly et Monsieur Arnaud), em que Serrault faz um ricaço aposentado que deseja redigir suas memórias e para isso contrata uma jovem secretária.

Nos últimos anos, todo esse talento vinha sendo utilizado em papéis populares. Serrault se tornara o protótipo do avô do interior, meio rude porém de bom coração, e, como tal, apareceu em Les Enfants du Marais, de Jean Becker, e Une Hirondelle a Fait le Printemps, de Christian Carion, e Albert Est Méchant, de Christian Clavier.

Talvez esta seja apenas uma última piada, mas o padre que lhe deu a extrema-unção, afirma que disse, no leito de morte: “Vá fazer o bom Deus rir um pouco, porque o trabalho dele anda bem difícil.” Uma bela maneira de encomendar a alma do cristão e cômico Michel Serrault.

(Fonte: blog.estadao.com.br)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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