Pela primeira vez na História do planeta um Estado determinou que pagaria uma mensalidade para as pessoas que vivessem acima de determinada faixa etária

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DA ALEMANHA AO CHILE: A HISTÓRIA DA APOSENTADORIA EM DIFERENTES PAÍSES

 

O chanceler prussiano Otto von Bismarck era conservador e defensor da oligarquia que controlava o império dos Hohenzollern. (Foto: bareng.tk / DIREITOS RESERVADOS)

 

No século 19, na Alemanha, um Estado determinou pela primeira vez que pagaria uma mensalidade para as pessoas que vivessem além de determinada faixa etária

 

Foi a primeira vez na História do planeta na qual um Estado determinou que pagaria uma mensalidade para as pessoas que vivessem acima de determinada faixa etária

 

 

Durante milênios a aposentadoria foi um conceito inexistente, já que as pessoas, com raras exceções,  não chegavam à velhice e morriam jovens. O fim poderia ser o esmagamento por um mamute, um assassinato pela tribo vizinha, a entrada de um canino de um tigre de dente de sabre na jugular ou simplesmente alguma doença que atualmente seria curada de forma fácil com um antibiótico.

No mundo hispano-falante a aposentadoria é chamada de “jubilación”, palavra que vem do latim “iubilare”, que significa “gritar de alegria”. Isto é, “júbilo”, a sensação que muitas pessoas sentiram, ao longo da História, quando não tiveram mais que trabalhar e puderam descansar graças a uma aposentadoria. O termo em latim teria influências da uma palavra hebraica, “yobel”, que era uma festa judaica de celebração que ocorria a cada 49 anos. Já em português, a palavra “aposentar” vem do latim “ad” (para) e “pausans” (repousar).

 

 

ROMA ANTIGA, SOLDADOS APOSENTADOS:

 

 

Um dos pilares do poder da Roma antiga eram suas poderosas legiões de soldados, que eram mobilizadas com rapidez e eficácia por todo o território romano, desde as areias escaldantes da Arábia até os confins da Inglaterra, das praias do Atlântico até as neves do Cáucaso.

 

As legiões eram compostas por homens que ficavam em atividade dos 20 anos de idade aos 45. Os veteranos, quando cumpriam seu quarto de século de serviço se retiravam da função. Na ocasião, recebiam uma parcela de terra e uma quantidade de dinheiro que nos tempos do imperador Augusto equivalia a 12 anos de pagamento de salários.

 

O dinheiro para essas pensões era proveniente de um imposto de 5% sobre todas as heranças no império e de 1% por todas as vendas.

O império, em várias ocasiões, fundou cidades especialmente para agrupar esses veteranos que se aposentavam. E, como eles eram chamados de “eméritos”, várias destas cidades tiveram nomes que se referiam a eles. Esse foi o caso, por exemplo na Espanha, das cidades de Mérida e de Emérita Augusta (esta transformou-se na atual Zaragoza).

 

Roma aproveitava a aposentadoria dos veteranos de guerra para criar novas cidades (especialmente nas perigosas áreas de fronteira), aumentar a produção agrícola (graças às terras que os veteranos cultivavam) e para instalar pessoas com experiência em áreas pouco habitadas (muitos militares eram engenheiros, arquitetos, metalúrgicos, além de várias outras especialidades).

 

O sistema durou século e foi um grande benefício para os militares. Enquanto isso, os civis romanos tinham que se virar como podiam na velhice.

 

 

Cidade de Zaragoza, na Espanha (Foto: Sergdid / Getty Images/iStockphoto)

 

 

 

O CONSERVADOR ALEMÃO QUE, PARA EVITAR OS MARXISTAS CRIOU O SISTEMA ATUAL DAS APOSENTADORIAS:

 

 

O chanceler prussiano Otto von Bismarck era conservador e defensor da oligarquia que controlava o império dos Hohenzollern. No entanto, temia os incipientes movimentos de esquerda que surgiram especialmente depois da Comuna de Paris (1871). Por esse motivo, em 1881, convenceu o imperador Wilhelm a enviar um projeto de lei ao Reichstag (Parlamento) para a criação de um sistema de aposentadorias, em conjunto com um sistema de saúde e escolas públicas, com o objetivo de suavizar a irritação social.

“Aqueles que estão incapacitados para trabalhar por idade ou invalidez tem o direito de serem cuidados pelo Estado”, disse Bismarck em discurso na ocasião. Seus críticos lhe indicaram que a medida era “socialista”. O nobre prussiano retrucou: “pode chamar de socialista ou do nome que quiser. Não estou nem aí”.

 

O sistema de Bismarck contava com contribuições dos trabalhadores, dos empresários e do Estado alemão.

 

 

Bismarck, conhecido como “o chanceler de ferro”, não era um filantropo, nem estava preocupado pelo bem-estar de seus cidadãos. Mas temia as revoltas sociais que afetavam a Europa. Desta forma, tomou essa medida inédita na época. Essa foi a primeira vez na História do planeta na qual um Estado determinou que pagaria uma mensalidade para as pessoas que vivessem acima de determinada faixa etária.

 

Até esse momento as pessoas precisava trabalhar até morrer. Não se aposentavam. Se tivessem tido uma série de circunstâncias favoráveis, conseguiam juntar dinheiro e com isso sobreviviam até falecer. Outros precisavam ser sustentados por seus filhos (se tivessem tido algum) ou parentes.

 

Mas a lei de Bismarck tinha uma “pegadinha”, já que determinava que a idade para começar a receber a aposentadoria era a de 70 anos. O problema é que em 1881 a expectativa de vida de um alemão era em média de 45 anos.

 

ARGENTINA, DA PRIVATIZAÇÃO À REESTATIZAÇÃO:

 

 

O sistema previdenciário argentino passou por diversas reformas nos últimos 70 anos. Até o início da década de 1950, o sistema era o das caixas de pensões, formado por montepios e associações sindicais. Na época do governo do presidente Juan Domingo Perón (1946-55), ele começou a apropriar-se de seus fundos para cobrir os buracos no déficit estatal.

 

 

Foi ele que criou o sistema de aposentadorias estatal. Mas isso entrou em crise quando, nos anos 70, a a ditadura militar (1976-83) começou a usar o dinheiro dos aposentados para cobrir buracos do orçamento devido ao descalabro econômico da administração dos generais.O uso do dinheiro dos aposentados pelos governos de plantão continuou com a volta democracia.

 

 

Na década de 1990, o presidente Carlos Menem (1989-99) criou o sistema de aposentadorias privadas. A partir dali, os trabalhadores tinham que optar entre o sistema privatizado, as denominadas AFJPs e o sistema estatal.

 

Mas o Estado argentino continuou gastando, pois – paradoxalmente – subsidiou parte do sistema privado com fundos estatais.

 

 

Em 2008, o sistema foi todo reestatizado pela presidente Cristina Kirchner (2007-2015). Outro paradoxo da vida política argentina: nos anos 1990 Cristina havia respaldado Menem na privatização das aposentadorias.

 

Os argentinos reclamam que na época das pensões privadas o dinheiro recebido era irrisório. E sustentam que com as pensões estatais o dinheiro continua sendo irrisório.

 

 

Na Argentina, para ter direito à aposentadoria básica um homem precisa ter 65 anos de idade, e as mulheres 60. Além disso, 30 anos com encargos sociais pagos. Em 2016 foi aprovado um adendo à lei, que determina que os argentinos que optem por se aposentar aos 70 anos tenham benefícios adicionais

 

 

CHILE, PRIVATIZADO PARA OS CIVIS, ESTATAL PARA OS MILITARES:

 

 

O atual sistema de aposentadoria no Chile foi criado pelo ditador e general Augusto Pinochet, que comandou o país com mão-de-ferro entre 1973 e 1980. Na época, na década de 1980, teve grande repercussão, pois prometia pensões com o valor de 70% a 90% dos salários. Mas o sistema chileno posteriormente demonstrou ser um fracasso, com a criação de aposentadorias baixas, que são em média de 40% a 45% dos salários ao longo destas quase quatro décadas. Em 2019, o salário mínimo chileno foi equivalente a US$ 456, enquanto que a média das pensões dos fundos de pensão foi de US$ 236.

 

Os chilenos, com ironia, destacam que Pinochet privatizou as aposentadorias para todos os chilenos, menos para os militares, que continuaram recebendo suas aposentadorias pelo sistema estatal, de 3 a 7 vezes mais altas do que as pensões privadas dos civis. As aposentadorias dos militares são financiadas em parte pela Codelco, a empresa estatal de cobre.

Em 1971, Salvador Allende havia estatizado as empresas de cobre, o principal commodity do Chile. Pinochet derrubou Allende criticando, entre outros motivos, a estatização. No entanto, Pinochet manteve a estatização do cobre. E, além disso, unificou todas as estatais desse metal em uma única empresa, a mega-estatal Codelco. E é essa estatal que produz, até hoje, os maiores lucros das exportações chilenas.

 

Mas a maioria dos aposentados chilenos foram os únicos financiadores de suas pensões, já que tiveram que fornecer 10% de seu salário bruto a fundos de pensões.

 

 

Em 2016,  trabalhadores chilenos foram às ruas protestar contra o governo da então presidente Michelle Bachelet para exigir aposentadorias mais altas, o fim do sistema obrigatório de pensões privadas e a volta do sistema estatal de aposentadorias.

 

 

O governo Bachelet criou um sistema, o “Pilar Solidário”, que é um esquema de aposentadorias aos setore mais pobres. Seu sucessor, o governo Piñera, planeja aprovar no ano que vem uma reforma do sistema de aposentadorias privadas, que contempla incluir a contribuição do empregador, e que seria implementado de forma muito gradual, até chegar a 4% do salário.

(Fonte: https://epoca.globo.com – DA ALEMANHA AO CHILE: A HISTÓRIA DA APOSENTADORIA EM DIFERENTES PAÍSES / Por Ariel Palacios – 08/07/2019)

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