Maria Callas, era uma artista fenomenal, capaz de encontrar a inflexão certa para cada frase musical, além de uma presença cênica eletrizante

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Maria Callas: talento para a ópera e para o escândalo

 

Maria Callas (Nova York, 4 de dezembro de 1923 – Paris, 16 de setembro de 1977), era uma artista fenomenal, capaz de encontrar a inflexão certa para cada frase musical, além de uma presença cênica eletrizante.

A soprano Maria Callas, que morreu em setembro de 1977 com 53 anos de idade, pode ter sido tudo, menos uma cantora convencional. A voz, embora generosa e extensa, nunca foi perfeita, com desigualdades de registros, asperezas e excesso de vibrato nos agudos.

Renata Tebaldi (1922-2004) cantava a Tosca e a Traviata. Maria Callas vivia a Tosca e a Traviata, o que na época era uma revolução no teatro lírico. Ela teve, além disso, uma vida movimentada, pontilhada de romances e escândalos onde se retrata bem a Callas artista e a Callas personalidade.

Callas que, com menos de 30 anos, misturava em seu repertório papéis de soprano dramático, como a Aída e a Turandot, com papéis de soprano ligeiro, como a Lucia de Lucia di Lammermoor e a Elvira de I Puritani.

Como se isso não bastasse, em 1953, ela resolveu emagrecer nada menos que 30 quilos, tornando-se cenicamente muito mais convincente, mas vocalmente muito mais vulnerável. Não surpreende que, aos 35 anos, o órgão vocal já não correspondesse às demandas da artista.

Pior que tudo, o temperamento da cantora transformava qualquer imperfeição vocal num escândalo. O primeiro deles, veio em janeiro de 1958, quando Callas, numa apresentação da Norma na Ópera de Roma à qual estava presente o presidente da República da Itália, resolveu abandonar o espetáculo no final do primeiro ato.

Como não havia uma soprano para substituí-la no banco de reservas, o presidente e os demais espectadores voltaram para casa com apenas 25% da ópera de Bellini. É provável que os chiliques da artista se devessem à sua insegurança de enfrentar os dós agudos dos dois atos seguintes da ópera, mas uma cantora mais cordata simplesmente pediria ao diretor do teatro que anunciasse a sua indisposição física e levaria o espetáculo até o fim, em homenagem aos espectadores, que certamente perdoariam qualquer dó desafinado.

A verdade, porém, é que sensatez não era a principal qualidade de Maria Callas e, certo ou errado, a imprensa italiana interpretou a sua decisão de abandonar o espetáculo como grave ofensa ao presidente da República.

NO FIM, SÓ SAUDOSISMO – Daí por diante, inicia-se a decadência de Maria Callas, cuja carreira lírica entrou em parafuso. No mesmo ano, Rudolf Bing (1902-1997) despediu-se do Metropolitan de Nova York. As notícias de que a cantora recusara uma ajuda de 100 dólares para a sua mãe faminta, o divórcio do marido e empresário Giovanni Battista e o ruidoso caso com Aristóteles Onassis só serviram para afundar a artista Maria Callas.

Entre 1960 e 1965 a cantora se apresentou em alguns poucos concertos e em raríssimos espetáculos de ópera, frequentemente suspensos após algum dó desafinado. Daí até 1973, resolveu emudecer. Em 1973 e 1974, juntou-se ao seu antigo companheiro de gravações, o tenor Giuseppe Di Stefano (1921-2008), para uma turnê de concertos, mais notável pelo saudosismo do que pelo valor artístico.

O resultado da cantora é benevolente, na qual fica a impressão de que o que faltou a Maria Callas após 1958 foi apenas um bom assessor de relações públicas. É possível, efetivamente, que a imprensa italiana e a americana tenham exagerado nos seus ataques à diva.

A verdade, porém, é quem um assessor de relações públicas só teria funcionado se tivesse sido capaz de mudar o comportamento da cantora em determinados momentos, como na Norma que ficou no primeiro ato em janeiro de 1958. A questão essencial é outra, porém.

Até que ponto Maria Callas era uma personalidade insuportável, uma vítima do meio em que viveu, ou simplesmente uma criatura cheia de contradições, como a maioria dos seres humanos. é absolutamente irrelevante. Pois o que interessa no artista é a sua obra e não a sua vida, mera curiosidade à margem da obra.

TÉDIO COM MOZART – Cada um dos papéis interpretados por Maria Callas, é visto com minúcias as preparações dos espetáculos, as intrigas de bastidores e as reações do público. As sequências fotográficas são particularmente sugestivas na documentação da Traviata de 1955, no Scala de Milão, produzida por Luchino Visconti, com Callas no papel-título, Giuseppe Di Stefano no de Alfredo e Ettore Bastianini no de Germont, e da Tosca de 1965, em Londres, com produção de Franco Zeffirelli. Fica claro que o gosto musical de Maria Callas, que se entediava com as óperas de Mozart, não era dos mais refinados.

(Fonte: Veja, 21 de setembro de 1977 – Edição 472 – MÚSICA – Pág; 104)

(Fonte: Veja, 18 de novembro de 1987 – Edição 1002 – LIVRO/ Por Mário Henrique Simonsen – Pág: 131)

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