Marek Edelman, foi o último líder sobrevivente da revolta no Gueto de Varsóvia

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O último comandante vivo da rebelião do gueto de Varsóvia contra os nazistas, em 1943

O último líder da rebelião do gueto de Varsóvia

 

04.04.1999. WARSZAWA – MAREK EDELMAN último líder da rebelião do gueto de Varsóvia (FOTO: ARKADIUSZ SCICHOCKI / AGENCJA GAZETA)

 

“Não queremos salvar nossas vidas. Ninguém sairá vivo daqui. Queremos salvar a dignidade humana.”
Arie Wilner (aliás, Jurek), soldado da ŻOB, Organização Judaica de Combate.
Varsóvia, abril de 1943

Marek Edelman (Gomel, Bielorrússia, ? – Varsóvia, Polônia, 2 de outubro de 2009), o último líder sobrevivente da revolta no Gueto de Varsóvia, que opôs em 1943 judeus ao regime da Alemanha nazista

Edelman, foi um dos comandantes da insurreição do gueto de Varsóvia, combatente da rebelião, cardiologista e militante da oposição democrática na época da Polônia comunista.

Ele e seus companheiros fugiram pelos esgotos fétidos, nos quais a maioria morreu asfixiada pelos gases. Quarenta deles sobreviveram, alguns se aliaram aos guerrilheiros poloneses e russos, e muitos sobreviveram à Guerra.

Elderman, depois da derrota alemã, tornou-se cardiologista – e jamais quis viver em Israel. Ele, e muitos outros, defendiam a cultura ashkenazi, fundada no uso do ídiche como o idioma de seu povo, e um “modus vivendi” com os povos conhecidos, o que seria facilitado pelo resultado do conflito; não a ocupação de um território no meio do deserto, ao lado de grupos étnicos estranhos,  nem a ressurreição de uma língua morta, só usada nos ritos religiosos, como idioma oficial.

Em razão disso, o Estado de Israel não o considera herói nacional. Ele era um dos que, como Rubinger, defendiam o convívio dos judeus com os outros povos, e achava um erro estratégico a criação de Israel, que vinha sendo planejada desde o fim do século 19.

Ele foi o último líder sobrevivente da insurreição no Gueto de Varsóvia, a 19 de Abril de 1943, que falhou, levando à morte ou deportação para campos de concentração de mais de 55 mil judeus.

 

O Levante do Gueto de Varsóvia, em 1943 (Foto: Divulgação)

 

 

Os judeus de Varsóvia se encontravam inermes diante do ocupante nazista. A resistência, naqueles dias de abril e maio de 1943, foi  ato de dignidade, assumido por jovens dispostos a morrer lutando, e não conformados a ver a resignação de seus pais e avós, ao embarcar rumo aos campos de extermínio a poucos quilômetros de Varsóvia.

 

Monumento em memoria aos heróis do gueto de Varsóvia (Foto: Mademoiselle Voyage)

 

Os nazistas, depois da ocupação da Polônia, empurraram, pouco a pouco, todos os judeus da cidade ao imenso gueto e os obrigaram a erguer espesso muro em volta: as únicas entradas e saídas eram vigiadas por soldados das SS.

De acordo com a sua política perversa, criaram, em 1942,  um Conselho Judaico, encarregado de indicar a lista diária dos que deviam ser encaminhados às câmaras de gás e aos trabalhos forçados, presidido por Adam Czerniakov (1880-1942).

No dia 22 de julho daquele ano, os nazistas decidiram iniciar a deportação em massa dos judeus do Gueto rumo a Treblinka e a Auschwitz. Como conhecesse o destino que os esperava, no dia seguinte Czerniakow engoliu uma cápsula de cianureto.

Não houve unidade na luta de resistência. Os sionistas de extrema direita formaram seu próprio corpo de combate. Os mais duros guerreiros foram jovens, alguns deles religiosos, mas a maioria de agnósticos e marxistas, ligados aos movimentos socialistas de esquerda, como a Bund (Liga) e com forte presença de comunistas. Quando os nazistas atearam fogo ao Gueto, o núcleo duro da resistência refugiou-se em um bunker, sob o comando do jovem Marek Elderman.

O general Jurgen Stroop (1895-1952), comandante das tropas de Varsóvia que massacraram os habitantes do Gueto, foi condenado à morte em 1951 e executado pelo governo polonês. Mas cumprira a sua missão, conforme relatório a Berlim: em maio de 1943 já não havia um só bairro judeu em Varsóvia.

Mais de 300.000 judeus haviam sido enviados para as câmaras de gás, e se calcula que mais de 10.000 morreram calcinados pelas chamas em que ardeu o Gueto, naqueles dias de maio.

No dia 7 de dezembro de 1970, o chanceler Willy Brandt em gesto grandioso, ajoelha-se diante do marco evocativo do Gueto de Varsóvia. O líder socialista, com a autoridade de quem resistira, ainda adolescente, ao nazismo, ajoelhou-se, em atordoante silêncio, em homenagem aos combatentes de 1943.

 

O chanceler Willy Brandt em gesto grandioso, ajoelha-se diante do marco evocativo do Gueto de Varsóvia (Foto: Divulgação)

 

Esses registros históricos e a situação atual de Israel – com tantos e eminentes judeus que se opõem ao genocídio dos palestinos e buscam construir a paz – tornam proféticas as palavras de Marcos Rubinger: trata-se de imenso gueto, erigido em terras estranhas, murado por dentro. Os jovens de Varsóvia lutaram e morreram para que não houvesse muros.

 

 

A Polônia acolheu, em 1939, a mais importante comunidade judia antes do início da Segunda Guerra Mundial; o gueto foi criado em 1940 e em 1943 este corajoso homem impôs-se com muitos outros à decisão nazista de liquidar o ghetto, mantendo à distância durante semanas as tropes ocupantes. Edelman foi um verdadeiro sobrevivente. Apesar das políticas hostis aos judeus nos países comunistas no pós-guerra, nunca deixou o seu país, Polônia, onde exerceu a profissão de cardiologista.

Marek Edelman nasceu em 1919, na localidade bielorrussa de Gomel. Sua família estabeleceu-se em Varsóvia durante os anos 20, depois de fugir da União Soviética, onde 12 de seus tios foram liquidados pelos bolcheviques por sua oposição ao socialismo. Seu pai, Natan Feliks, morto em 1924, simpatizava com os trudoviki, os militantes do Partido do Trabalho que se uniram ao Partido Social Revolucionário russo depois de 1917.

Sua mãe, Cecylia Percowska, militava no Bund (a União Geral de Trabalhadores Judeus da Lituânia, Polônia e Rússia), que era ao mesmo tempo um partido e um sindicato socialista, laico e de oposição tanto ao sionismo (Lênin qualificou os bundistas de “sionistas enjoados”) como aos bolcheviques.

Afiliou-se, primeiro, ao Socjalistiszer Kinder-Farband, o sindicato dos meninos do Bund, antes de passar, em 1939, ao Tsukunft (Futuro), o sindicato das juventudes bundistas. Como sua mãe falecera em 1934, teve que começar a trabalhar aos 15 anos para ganhar a vida.

Em julho de 1942, na Polônia ocupada, Edelman participou da criação da OJC (Żydowska Organizacja Bojowa, a Organização Judaica de Combate), que agrupava militantes de partidos e grupos judeus de esquerda, entre eles os socialistas sionistas de Hashomer Hatzair (jovem guardião). A União Militar Judaica (Żydowski Związek Wojskowy), criada em 1939, depois da ocupação da Polônia, por oficiais judeus do exército polonês ideologicamente próximos ao Betar – a organização dos sionistas de direita da ala revisionista de Jabotinsky – negou-se a se unir à OJC, mas seus combatentes o fizeram, e juntos iniciaram a insurreição do gueto de Varsóvia, em 19 de abril de 1943.

Marek Edelman, que dirigia o grupo de combate da fábrica de escovas, assumiu o mando dos combatentes em 8 maio de 1943, um dia depois do suicídio do comandante Mordechai Anielewicz, cercado pelos SS no bunker que a OJC mantinha no número 18 da rua Mila, considerado como o Massada do século XX. O suicídio de Anielewicz é celebrado ainda hoje com entusiasmo em Israel, mas a ação extrema foi sempre condenada por Edelman, que a considerou como um “gesto de histeria coletiva”.

Poucas horas antes da queda do gueto, em 16 de maio de 1943, Edelman conseguiu escapar com uns 15 sobreviventes dos ferozes combates que várias centenas de jovens pobremente armados enfrentaram (um fuzil para cada dez combatentes e, como arma principal, coquetéis molotov), contra 6.000 SS, soldados alemães e ucranianos armados até os dentes, que eliminaram a insurreição com lança-chamas.

Em 1944, Edelman participou à frente de um destacamento da OJC na insurreição de Varsóvia, dirigida pelo Exército Popular (Armia Ludowa), durante os combates para a libertação da cidade velha.

Depois da guerra, iniciou seus estudos de medicina em Lodz, onde trabalhou como cardiologista de 1951 a 2008. Na Polônia comunista, o Bund negara-se a integrar o Partido Comunista de Polônia, e preferiu se autodissolver “voluntariamente” em 1949.

Embora a maioria dos judeus sobreviventes da ocupação da Polônia optassem por emigrar em ondas sucessivas para Israel – depois dos pogroms de 1946 ou após a campanha antissemita lançada pelo regime frente ao movimento estudantil de março de 1968 –, Marek Edelman negou-se a abandonar a Polônia, e só viajou a Israel para visitar sua família em raras ocasiões. Sempre foi mal visto no Estado sionista, considerado como um “mau judeu”, pois o sionismo prefere honrar a memória de Mordechai Anielewicz, um militante de Hachomer Hatzair, o grupo socialista sionista surgido do escotismo judeu, que proporcionou muitos combatentes ao Palmach, a unidade de elite da Hanagah, organização clandestina sionista que deu origem ao exército israelense.

Em 1976, Edelman, que sempre se negou tanto a emigrar para Israel (“Para mim não existe um povo eleito nem uma terra prometida”, declarou certa vez) como a se afiliar ao Partido Comunista, uniu-se ao Comitê de Defesa dos Trabalhadores (KOR), núcleo fundador do sindicato Solidarnosc, o que lhe valeu uma detenção durante cinco dias durante o estado de exceção que o general Jaruzelsky decretou em dezembro de 1981. Participou ativamente no processo que conduziu ao fim do regime comunista na Polônia e, em 1991, afiliou-se à União para a Liberdade, uma das ramificações do Solidarnosc, junto com Tadeusz Mazowiecki e o historiador Bronislaw Geremek.

Tardiamente reconhecido – recebeu a Ordem da Águia Branca polonesa em 1998 e a Legião de Honra francesa em 2008 –, Marek Edelman era um homem parco em discursos e gestos. Como se considerava o “guardião das tumbas judias” da Polônia mártir, por sua iniciativa, a cada dia 9 abril, adotou o costume de depositar ramos de junquilhos diante do monumento aos heróis do gueto, depois de uma caminhada através das ruas do antigo bairro. Em 2008, em resposta às perguntas de uma jornalista israelense, que queria saber se não temia que sua morte, próxima sem dúvida, “fizesse cair no esquecimento a insurreição do gueto de Varsóvia”, declarou: “Não, aquele acontecimento deixou demasiadas marcas na história, na literatura e na arte. É em Israel onde nossa recordação corre o perigo de se perder.”

Marek Edelman era o último dos moicanos, a prova viva e rara de que é possível ser judeu polonês (ou polonês judeu) sem ser sionista.

Aqui a carta que dirigiu “a todos os chefes de organizações palestinas e militares, paramilitares ou guerrilheiras, a todos os soldados de grupos militantes palestinos” em 1° de agosto de 2002, mensagem que lhe valeu críticas ferozes dos sionistas, que reprovaram o fato de qualificar os “terroristas” palestinos como “partisans”:

“Meu nome é Marek Edelman. Sou o antigo comandante-adjunto da Organização Judaica de Combate na Polônia, um dos chefes da insurreição do gueto de Varsóvia. No memorável ano daquela insurreição, em 1943, lutávamos pela sobrevivência da comunidade judaica em Varsóvia. Combatíamos por nossas vidas, não por um território, nem por uma identidade nacional. Movia-nos uma determinação desesperada, mas nossas armas nunca se dirigiram contra populações civis indefesas, nunca matamos mulheres e crianças. Em um mundo como aquele, despojado de princípios e valores, apesar do constante perigo de morte, permanecemos sempre fiéis aos ideais.

 

Estávamos isolados em nosso combate e, apesar disso, o poderoso exército que enfrentávamos não conseguia vencer aqueles jovens pouco armados que éramos então. Nossa luta durou várias semanas e, depois, seguimos com ela na clandestinidade e durante a insurreição de Varsóvia, em 1944.

Em nenhum lugar do mundo, porém, um grupo de resistentes pode alcançar uma vitória definitiva, e em nenhuma parte uma guerrilha pode ser vencida pelos exércitos regulares, por mais bem equipados que estejam. Sua guerra tampouco tem solução. O sangue será derramado em vão e vidas se perderão em ambos os lados.

Nós nunca depreciamos a vida. Nunca enviamos nossos soldados para uma morte certa. A vida é eterna. Ninguém tem o direito de acabar com ela. Já é hora de o mundo compreender.

Olhem ao redor. Vejam a Irlanda. Depois de 50 anos de uma guerra sangrenta, a paz chegou. Antigos inimigos mortais sentaram em torno da mesma mesa. Olhem o que ocorre na Polônia, Walesa e Kuron. Sem grande dificuldade, o criminoso sistema comunista desapareceu. Do mesmo modo, vocês e o Estado de Israel devem mudar radicalmente de atitude. Devem fazer as pazes para salvar centenas e, talvez, milhares de pessoas, para oferecer um futuro melhor a seus entes queridos, a seus filhos. Sei, por experiência, que tal como se apresentam os acontecimentos, isso depende dos chefes militares. A influência dos atores políticos e civis é muito menor. Alguns de vocês estudaram na Universidade de minha cidade, Lodz, e me conhecem. Acredito que sejam bastante sábios e inteligentes para compreender que, sem paz, não haverá futuro na Palestina e que a paz só pode ser alcançada através de concessões dos dois lados.

Peço também ao [ex]Presidente Bill Clinton, ao ministro Bernard Kouchner e ao deputado Daniel Cohn-Bendit que apoiem meu pedido. Quero recordar-lhes de nossa posição comum em relação à guerra na Iugoslávia. Quem sabe se esta guerra, a guerra que ninguém pode ganhar, poderia ser detida para que fosse substituída por porta-vozes capazes de chegar a um acordo.

Talvez devêssemos buscar um mediador que não seja um político, mas, sim, uma personalidade com autoridade moral incontestável, alguém que coloque a vida com dignidade e paz para todos acima de qualquer objetivo político”.

 

gueto de Varsovia

Foto da época: gueto em Varsóvia

 

Alguns, como Marek Elderman, sonhavam com uma única Humanidade.

Marek Edelman faleceu aos 90 anos, em Varsóvia, Polônia, 2 de outubro de 2009. Marek Edelman faleceu com a presumível idade de 87 anos, já que a data de seu nascimento perdeu-se com o desaparecimento dos pais.

“Marek Edelman, um dos comandantes da insurreição do gueto de Varsóvia, combatente da rebelião, cardiologista e militante da oposição democrática na época da Polônia comunista, faleceu em Varsóvia”, revelou o jornal polonês Gazeta Wyborcza.

“Chegou à idade avançada (…) e viveu sempre consciente da tragédia que enfrentou. Não posso dizer que era insubstituível, ninguém o é, mas poucas pessoas foram como Marek Edelman…”, declarou o ex-chefe da diplomacia polonesa Wladyslaw Bartoszewski.

“Quero apresentar minhas condolências à família de Marek Edelman, à Nação polonesa e à Nação judaica. Ele era nosso herói comum”, declarou à TV estatal Shewah Weiss, ex-presidente do Parlamento israelense.

“O presidente Lech Kaczynski ficou comovido com esta informação”, declarou Maciekh Wypych, ministro da presidência polonesa.

(Fonte: https://noticias.terra.com.br/mundo/europa – MUNDO – EUROPA – AFP – 2 OUT 2009)

(Fonte: http://militanciaviva.blogspot.com.br/2013/04 – OS JUDEUS – ENTRE VARSÓVIA E ISRAEL/ Por Texto de Mauro Santayana – Postado por  – 23 de abril de 2013)

(Fonte: http://www.chabad.org.br/biblioteca/artigos/guetoVarsovia)

(Fonte: http://www.tlaxcala.es – Artigo original publicado em 5 de outubro de 2009)

Fonte: Basta ! Journal de marche zapatisteMarek Edelman, le Dernier des Mohicans – La preuve qu’on peut être ‘juif polonais’ sans être sioniste
Fausto Giudice e Omar L. de Barros Filho são membros de Tlaxcala, a rede de tradutores pela diversidade linguística. Omar L. de Barros Filho, que traduziu para o português, é editor de ViaPolítica. Esta tradução pode ser livremente reproduzida, na condição de que integridade seja respeitada e mencionados o autor, tradutores e fontes.

URL deste artigo em Tlaxcala: http://www.tlaxcala.es/pp.asp?reference=8960&lg=po

 

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