Leonardo da Vinci, fez do autor da Mona Lisa o espírito mais moderno e universal entre os três gênios da Renascença italiana (Michelangelo e Rafael)

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Leonardo da Vinci (1452-1519), pintor, escultor, arquiteto, engenheiro, escritor, naturalista e filósofo.

Tanto ecletismo, aliado à excelência nesses ofícios, fez do autor da Mona Lisa o espírito mais moderno e universal entre os três gênios da Renascença italiana (Michelangelo e Rafael são os outros dois).

Mas além de todos os ofícios que exerceu, houve mais um – o desenho -, mais modesto e muito mais profuso, que sustentaria seus afazeres mais nobres.

Canhoto e dono de uma caligrafia enigmática, escrita da direita para a esquerda, Leonardo, o filho bastardo, vegetariano e homossexual de um tabelião da cidadezinha de Vinci, perto de Florença, especulava febrilmente sobre o papel.

Ao longo de uma vida de 67 anos, produziria uma montanha de mais de 10 000 páginas, das quais cerca de 7 000 chegaram em bom estado ao século XX, repletas de desenhos e manuscritos detalhados sobre seus vários interesses.

Marcados com giz, creiom, carvão e uma tinta à base de prata, o papel era seu primeiro campo de provas, em áreas tão distintas como a fabricação de armas ou a anatomia humana.

Os desenhos de Leonardo não devem ser vistos como obra acabada, mas como experimento livre, elaborado para resolver teoricamente os problemas de composição do gênio.

O mestre florentino influenciou pintores venezianos contemporâneos como Giorgione, Bellini e Ticiano, onde demonstrou o impacto que o gênio teve sobre a arte numa cidade como Veneza, então centro cultural de primeira grandeza e capital de um grande império naval.

O desenho certamente mais conhecido, e familiar a todos os ginasianos do mundo, é o célebre Homem Vitruviano (feito com pela com ponta metálica, tinta e aquarela sobre papel branco), sormalmente exposto em Veneza mesmo. Considerado o símbolo maior do ideal de harmonia do Renascimento, é na verdade um estudo das proporções do corpo humano elaborado pelo artista segundo instruções do arquiteto romano Vitruvius (I a.C.).

O célebre Homem Vitruviano (www.educasaude.org)

O célebre Homem Vitruviano: símbolo da harmonia renascentista, com proporções rígidas (www.educasaude.org)

 

O homem “bem figurado”, segundo o desenho, deve estar de pé, com as pernas e os braços abertos, inscrito com precisão nas figuras geométricas mais perfeitas, o círculo (cujo centro é o umbigo) e o quadrado (cujo centro são os genitais).

ESBOÇOS ARQUITETÔNICOS – “Da raiz dos cabelos à base do queixo é um oitavo da altura do homem. Da parte superior do peito ao alto da cabeça é um sexto do homem…” Minucioso, o texto que acompanha o Vitruvius examina todo o corpo humano usando como unidade de medida o dedo, o palmo, o pé, concluindo que assim como a natureza compôs o corpo do homem de forma que os membros correspondessem proporcionalmente a sua soma total do mesmo modo os antigos estabeleceram que na obra de arquitetura perfeita deve haver uma relação precisa das partes com o conjunto.

Outro belíssimo desenho é o intitulado Mulher Apontando numa Paisagem, feito em carvão. Ela usa um longo vestido evanescente, que se movimenta com o sopro de uma brisa. Apesar da placidez aparente, há tensão na cena, pois a mulher encara o observador com o mesmo olhar e o mesmo sorriso enigmático da Mona Lisa.

Em um Estudo para a Adoração dos Reis Magos, encomenda que Leonardo recebeu em 1481. O impacto do desenho talvez seja até maior que o do próprio quadro, onde mostra um sinfônico diálogo de espaços, figuras, cenas e esboços arquitetônicos em torno de Nossa Senhora com o Menino nos Braços, numa atmosfera de deslumbramento e admiração.

O único estudo indiscutivelmente autêntico para a estupenda Última Ceia – realizada no refeitório do convento da Igreja de Santa Maria delle Grazie, de Milão, nele vê-se o esboço da distribuição dos doze apóstolos em torno de Cristo, à mesa.

A Última Ceia por Leonardo da Vinci (www.bomturista.com.br)

A Última Ceia por Leonardo da Vinci (www.bomturista.com.br)

CARROS DE GUERRA – Do grande afresco planejado para a sala do Gran Consiglio do Palazzo Vecchio de Florença, glorificando os feitos bélicos da república florentina na batalha de Anghiari, nada sobrou exceto isolados estudos sobre figuras individuais de soldados e cavaleiros.

Dentre os poucos, há alguns cavaleiros que combatem numa embolada de violência e movimento, e algumas cabeças de soldados que gritam, num milagre de tensão e perfeição. No setor bélico, há alguns estudos para curiosos carros de combate.

Um deles, deslumbrante como desenho, mostra dois modelos de carros armados com grandes foices giratórias, cujos eixos de virabrequim, um tubo cilíndrico dotado de um mecanismo capaz de transmitir movimento de uma extremidade da máquina a outra.

Numa carta ao seu patrão da época, o duque Ludovico, O Mouro de Milão, Leonardo comenta deprimido: “Esses carros frequentemente foram tão danosos aos amigos quanto aos inimigos.”

É atribuído a Leonardo uma segunda revolução no âmbito da perspectiva, cujo resultado haveria de condicionar também Michelangelo, Rafael e todos os seus sucessores. Leonardo ultrapassou, com a perspectiva aérea, os limites da pintura configurada no espaço geometrizado de Brunelleschi.

E o recurso técnico para atingir essa perspectiva infinita foi o esfumado. O claro-escuro, de recurso técnico para simular o volume, tornou-se meio de construção do espeço infinito, sem comportas e sem pontos de chegada.

(Fonte: Veja, 1° de abril de 1992 – ANO 25 – Nº 14 – Edição 1228 – ARTE/ Por MARCO ANTONIO DE REZENDE, de Veneza – Pág: 86/87)

 

 

LEONARDO, O CIENTISTA

Pioneiro em anatomia, ótica, geologia, hidrologia e astronomia

Como arquiteto, o florentino Da Vinci esboçou maravilhas, mas não deixou nada acabado. Como pintor, nunca teve interesse em terminar uma tela. Como engenheiro militar, jamais ganhou uma batalha para seus patrões.

Como cientista, ele foi metódico até a exasperação, deixando cerca de 1 500 desenhos tão detalhados quanto os modernos diagramas da física quântica.

Não é no intelecto de Da Vinci, porém, a chave da genialidade, e sim – no seu caráter. E caráter é infância. Mais significativo que a amizade ou os serviços prestados às grandes famílias da Itália do século XV, como os Medici, os Borgia ou os Sforza, mais marcante que a peste, as guerras, ou os amores por rapazes é sua história familiar: o fato de ser filho ilegítimo, abandonado pela mãe e apenas tolerado pelo pai. Os primeiros anos da vida de Leonardo explicariam sua personalidade única, totalmente autocentrada e automotivada.

Ao contrário do arquiinimigo Michelangelo, que era um católico fanático, Leonardo não se interessava por religião. Contrastando com seu amigo Maquiavel, desprezava a política com um zelo que beirava a candura: mal um de seus mecenas era assassinado e ele já encaminhava seus projetos para o patrocínio do substituto.

Vegetariano que dissecava cadáveres numa época em que isso era considerado magia negra, pacifista que desenhava máquinas de guerra, admirador do corpo humano que chamava os homens de “enchedores de latrina” – essas e outras contradições nunca perturbaram Da Vinci.

O segredo, parece, ara a total ausência de paixão e uma solene indiferença a tudo que não fosse a busca do conhecimento. Não é de estranhar que Freud tenha feito de Leonardo um dos alicerces da sua teoria da sublimação, que vincula a sexualidade ao instinto de investigação.

Ainda mais interessante, contudo, são os rodeios para chegar lá: uma descrição inspirada do século XV italiano, de intriga e crueldades inomináveis, gestos magnificentes e arte sublime, da temível Lucrécia Borgia e do inefável Botticelli. Uma época feliz que ainda não tinha inventado a triste figura do especialista.

(Fonte: Veja, 1º de maio de 2002 – ANO 35 – Nº 17 – Edição 1749 – Veja Essa/ Por Marilia Pacheco Fiorillo – Pág: 132/133)

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