Joseph Lee, executivo-chef, mudou o setor de alimentos ao criar invenções importantes e duradouras – máquinas que transformaram a panificação e a preparação de alimentos

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Como este empresário negro desconhecido mudou o setor de alimentos para sempre – e criou um tremendo ganha-pão

 

Sonho adiado: apesar de suas invenções inovadoras na década de 1890, Lee só foi incluído no National Inventors Hall of Fame em 2019

 

No início da década de 1890, tinha um bom problema nas mãos. O dono do movimentado Woodland Park Hotel, em Newton, Massachusetts, estava produzindo pão demais.

Nascido escravo em 1849, na Carolina do Sul, Lee conhecia dificuldades muito maiores do que a abundância de alimentos. Depois de trabalhar em cozinhas quando criança, ele se tornou ferreiro durante a Guerra Civil, antes de seguir para o norte como cozinheiro de navio. Estabeleceu-se em Newton, onde conseguiu emprego em uma padaria e iniciou uma atividade paralela – vender comida na pensão onde morava.

 

A experiência ajudou Lee a abrir seu primeiro negócio de verdade ainda na casa dos 20 anos, um pequeno restaurante local. Ele acabou aproveitando esse sucesso no elegante Woodland Park Hotel, um amplo resort e espaço de eventos com restaurante, salas de bilhar, pistas de boliche e quadras de tênis. O hotel de Lee atendia à sociedade de Boston e recebia regularmente hóspedes famosos, inclusive três presidentes dos EUA: Chester A. Arthur, Grover Cleveland e Benjamin Harrison.

 

 

Executivo-chef: na década de 1890, Joseph Lee tirou proveito de sua experiência em restaurantes para administrar o Woodland Park Hotel, em Newton, Massachusetts.

 

O hotel também foi berço das invenções mais importantes e duradouras de Lee – máquinas que transformaram a panificação e a preparação de alimentos durante grande parte do século seguinte. A primeira, uma máquina automática de sovar pão, rendia mais pão do que ele e seus funcionários eram capazes de servir.

 

“Mesmo simples, essa máquina é ímpar, e não existe nenhum dispositivo mecânico concorrente que seja semelhante a ela ou capaz de executar o mesmo serviço”, publicou a revista “Colored American” em edição de maio de 1902, referindo-se à sovadeira automática de pão de Lee. A matéria prosseguia: “A sova realizada por ela desenvolve o glúten da farinha em um grau sem precedentes, e o pão fica mais branco, com textura mais fina e mais fácil de digerir”.

Ela também preservava os ingredientes e poupava tempo. A máquina era capaz de produzir 27 quilos a mais de pão com um barril de farinha, em comparação com a sova manual. E, em vez de jogar fora o pão excedente, Lee desenvolveu sua segunda invenção revolucionária.

 

 

Uma sova na concorrência: Lee com sua inovadora máquina de esfarelar pão

 

Sua máquina automática de esfarelar pão era uma solução para aproveitar o pão velho que sobrava para Lee, transformando-o no ingrediente básico que hoje conhecemos como farinha de rosca para ser usado em tudo, desde peixes empanados até croutons de salada. “Na era colonial, era bastante comum comer farinha de rosca com leite no café da manhã, um precursor de cereais como Grapenuts”, diz Megan J. Elias, professora de gastronomia da Universidade de Boston; porém, o crescimento do setor de restaurantes tornava especialmente valiosa uma ferramenta automatizada para fazer farinha de rosca. “Provavelmente, havia um mercado em expansão para a farinha de rosca nas cozinhas comerciais”, acrescenta Megan. “Na sua própria casa, você consome as sobras de pão que tem, mas, em um restaurante, você quer um suprimento mais confiável para saber o que pode colocar no seu cardápio.”

 

Joseph Lee viu isso como a oportunidade perfeita de ter um ganha-pão fazendo pão.

“O povo afro-americano”, diz Psyche Williams-Forson, catedrática de Estudos Norte-americanos da Universidade de Maryland, “sempre foi colocado na situação de ter de fazer mais com menos”.

 

É esse contexto que explica por que “os negros norte-americanos estavam sempre inventando”, acrescenta Kara W. Swanson, professora de direito e história da Universidade Northeastern. No entanto, era difícil manter-se devidamente como dono. “Muitos vendiam os direitos para homens brancos, em parte por não terem dinheiro para desenvolver ou por recearem que as pessoas não quisessem comprar o que estavam inventando”, acrescenta Kara.

 

No final do século 19 e início do século 20, inúmeros Thomas Edisons negros criaram invenções transformadoras que se perderam na história ou que simplesmente foram roubadas por causa de sua raça. “Os escritórios dos advogados de patentes ficavam em áreas comerciais somente para brancos, o que impedia os inventores afro-americanos de solicitar patentes”, observa Lisa Cook, autora de um estudo publicado em 2013 sobre a atividade de patentes de 1870 a 1940.

 

Alimentando-se do sucesso: tendo sido bem-sucedido na operação do Woodland Park Hotel, Lee abriu então um restaurante e serviço de bufê em Boston

 

Joseph Lee, no entanto, desafiou as condições adversas. Em 1894, registrou com sucesso a primeira patente de sua sovadeira de pão, o que fez dele um dos 92 detentores de patentes negros, de acordo com dados compilados por Henry Baker, um examinador de patentes negro da época. No mesmo ano, o único congressista negro, George Washington Murray, representante da Carolina do Sul, inseriu essa lista de detentores de patentes, inclusive Lee, no Registro do Congresso. No ano seguinte, aproveitando o embalo, Lee registrou uma segunda patente, a de sua máquina de farinha de rosca.

 

“É preciso dar crédito ao Joseph Lee”, diz Ben Mchie, fundador e diretor executivo do The African American Registry. “Isso foi feito quando a preparação de alimentos ainda estava sujeita a muitos contratempos humanos, não havia regulamentos federais – a Food and Drug Administration (FDA – órgão no Brasil equivalente à Anvisa) só surgiu em 1906. Havia todo tipo de coisa envolvida que ele previu, e ele usou o coração tanto quanto a mente para criar.”

 

As realizações de Lee ficam ainda mais impressionantes quando se leva em conta que ele não teve educação formal. Ele foi, em grande medida, autodidata, embora tenha frequentado algumas escolas clandestinas no sul. “Ele era especial”, diz Jerome Peoples, autor da biografia Lee’s Bread Machines, publicada 2011. “Sabemos que a escravidão envolvia todo tipo de castigo, só a crueldade mental dela… Mas ele conseguiu bloquear as distrações e não desistiu.”

 

E os concorrentes repararam em suas inovações.

 

Quando as empresas de alimentos começaram descobrir as máquinas de pão de Lee, elas imediatamente se deram conta do dinheiro que poderiam economizar – e ganhar. Um verdadeiro empresário, Lee não vendia suas criações por migalhas.

 

Em 1901, ele cedeu formalmente os direitos de patente de sua sovadeira de pão à recém-constituída National Bread Company. A empresa recebeu US$ 3 milhões em investimentos (cerca de US$ 92 milhões hoje), e Lee tornou-se acionista. Ele também vendeu sua máquina de farinha de rosca a um fabricante de Antrim, New Hampshire, a Goodell Company, e essas máquinas viriam a ser produzidas em massa pela Royal Worcester Bread Crumb Company e vendidas a hotéis e restaurantes de todo o país.

 

 

Prancheta: as patentes das duas invenções de panificação mais importantes de Lee, de 1894 e 1894

 

Além de ser dono das patentes de suas máquinas, Lee tinha outra grande vantagem sobre seus colegas inventores: “Ele já era rico”, diz Peoples. Graças a seu hotel, ele foi descrito como um dos homens mais ricos de Newton pelo jornal “Boston Daily Advertiser” em 1886. “Ele era confiante, mas não ficou presunçoso.”

 

Décadas antes da era dos chefs famosos, a culinária de Lee era tida em alta conta, principalmente no elegante bairro de Back Bay, em Boston. Seu Woodland Park Hotel foi considerado o único a ter os genuínos croquetes de frango da Filadélfia e tartarugas guarnecidas em toda a Nova Inglaterra, segundo escreveu M.F. Sweetser no “King’s Handbook of Newton”, Massachusetts de 1889, no qual Lee recebeu outros elogios.

 

“Até a década de 1970, os chefs eram desconhecidos, você não sabia quem estava cozinhando”, explica James O’Connell, autor de “Dining Out in Boston: A Culinary History”. “Então, Lee era a pessoa chave. Ele era o dono. Era a cara do lugar. Não sei de nenhum outro negro que dirigisse um hotel tão importante.”

 

Uma depressão econômica ocorrida no final do século 19 obrigou Lee a desistir do Woodland Park Hotel em 1896, mas ele permaneceu no setor de hospitalidade como administrador, embora não dono, do requintado restaurante Pavilion, com vista para o rio Charles e o Parque Norumbega. Com a renda proveniente dessa atividade e de suas máquinas de pão, ele logo abriu o Squanton Inn, um resort local de verão, e seu próprio serviço de bufê em Boston.

 

“Lee era uma prova, para a América branca, das habilidades dos negros norte-americanos, habilidades que lhes tinha sido dito explicitamente não possuírem.”

 

“O fato de que Lee teve todos esses restaurantes não é surpreendente – a Nova Inglaterra era uma das regiões onde havia vários empresários negros que se destacavam em áreas como panificação e culinária e administravam hotéis e pensões”, diz a professora Williams-Forson.

 

“Mas esse sucesso é muito mais difícil de entender para as pessoas”, ela continua. “Porque reconhecer esse tipo de realização vai contra tudo que nos ensinaram sobre o povo afro-americano ser preguiçoso, pouco inteligente, criminoso. Demos contribuições incríveis à sociedade norte-americana, mas, se você for capaz de manter essas histórias enterradas, poderá continuar a propagar essa narrativa que nos pinta de maneiras muito particulares.”

 

Joseph Lee derrubou esses estereótipos racistas. “Tudo que Lee conquistou foi conquistado apesar do racismo contra os negros”, diz Kara. “Ele era uma prova, para a América branca, das habilidades dos negros norte-americanos, habilidades que lhes tinha sido dito explicitamente não possuírem.”

 

Apesar de ser rico e bem-sucedido em vida – seus negócios foram transmitidos aos filhos após sua morte, em 1908 –, Lee ainda não teve o devido reconhecimento por suas realizações. Ele só foi incluído no National Inventors Hall of Fame em 2019, mas a atual geração de padeiros ainda valoriza seu legado.

 

A chef Paola Velez, cofundadora da Bakers Against Racism, gosta de fazer pães à mão, mas continua maravilhada com a maneira pela qual Lee desenvolveu a cozinha industrializada. “Às vezes, quando estou dando aula, mostro às pessoas como sovar a massa com as mãos e me esqueço de como isso é duro para os músculos das minhas costas”, diz Paola. “Mas penso que fizemos um enorme progresso, que posso simplesmente colocar farinha, manteiga, ovos, água morna e fermento em uma batedeira com um gancho e agora tenho uma massa sempre perfeita, tudo isso porque alguém teve ousadia suficiente para criar algo, e já não sabemos o que é viver sem isso.”

 

“Estamos apoiados nos ombros de Joseph Lee”, diz Jamel Lewis, cofundador da Black Bread. E, como Lee um século atrás, Lewis acrescenta: “consideramos isso um desafio; é por isso que o assumimos.”

 

E, assim como o pão que Joseph Lee tornou famoso, eles estão prontos para crescer.

(Fonte: https://www.forbes.com.br/forbes-money/2021/03 – FORBES MONEY / por Brianne Garrett – 11 de março de 2021)

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