Sonhos do mundo, a origem dos mitos
Joseph Campbell: traçou a história comum da humanidade contada através dos mitos
Joseph John Campbell (White Plains, Nova York, 26 de março de 1904 – Honolulu, Havaí, 30 de outubro de 1987), professor americano, reconhecido em seu país como a maior autoridade de mitologia do Ocidente numa área do pensamento em que se costuma apostar alto nas teorias e pouco em sua compreensão pelo grande público: o estudo dos mitos.
O professor americano era considerado o maior mitólogo do Ocidente, e autor de mais de vinte livros a uma área do pensamento que se ocupa justamente de explicar de que maneira o homem se tornou aquilo que é hoje: o estudo dos mitos.
Em 1988, seu nome saltou da condição de “especialista respeitado” para o patamar de “intelectual popular”. Tudo por causa da minissérie “O Poder do Mito”, resultado de uma série de entrevistas concedidas por Campbell ao jornalista Bill Moyers entre 1985 e 1986, que foi dividido em seis partes de uma hora cada, e, era visto semanalmente por 2,5 milhões de americanos.
“O Poder do Mito” trata de assuntos complexos como o sentido da vida, a busca do amor, da felicidade e de Deus. O mitólogo fala claro e dá um verdadeiro show de conhecimentos ao fazer conexões entre crenças e costumes das mais diferentes civilizações.
Campbell mostra, por exemplo, como a visão do surgimento do mundo que está contida no Gênesis se repete em diversas civilizações, caso também do episódio do fruto proibido, da expulsão do paraíso e da concepção imaculada – esta, presente tanto no mito grego de Leda e o Cisne quanto na caracterização do nascimento de Jesus.
Com isso, o mitólogo deixa claro que, na tentativa de encontrar respostas para os mistérios do mundo, os povos das mais diferentes épocas, dos mais distantes pontos do planeta, sempre esbarraram nas mesmas histórias.
Joseph Campbell era ainda um garoto quando seu pai o levou pela primeira vez ao Museu de História Natural de Nova York. Impressionado com o fascinante conjunto de relíquias da humanidade que desfilava diante de seus olhos, o menino logo se transformou numa máquina de fazer perguntas.
A partir daí, a ideia de que conhecer o passado é a melhor maneira de se compreender o presente tomou conta de Campbell. Foi por essa razão que ele decidiu dedicar a maior parte de seus 83 anos de vida ao vasculhar a origem dos mitos.
Reunindo em torno de si uma entusiasmada multidão de admiradores, ele firmou-se numa classe rara e especial de intelectuais, dos pensadores sérios que são reverenciados também pela cultura popular. Sua principal mensagem é fácil de resumir – as características dos mitos, e as lições que eles transmitem, são universais. À medida que os povos das mais diferentes culturas tentam desvendar os mistérios do mundo a sua volta, criam símbolos e histórias que mantêm uma notável semelhança em todas as regiões do planeta.
Para Campbell, os mitos não devem ser vistos apenas como histórias divertidas, mas como alegorias que encerram lições, que nos ensinam, como ele dizia, “a viver de maneira recompensadora sob quaisquer circunstâncias”. Em seus últimos três anos de vida, falecido em 1987, aos 83 anos, Campbell reuniu suas ideias numa longa série de entrevistas com o jornalista Bill Moyers, que se transformou numa minissérie de TV.
A transcrição dessas entrevistas foi publicada no livro O Poder do Mito, que passou meses nas listas de mais vendidos dos Estados Unidos.
MORTE E VIDA – Campbell desfrutava total intimidade com todas as lendas e os mitos já criados pela civilização humana, desde os consagrados, da Índia ou da Grécia, aos mais obscuros. Ao cruzá-los, ele viajava com desenvoltura no tempo e no espaço.
Para falar sobre a vida e a norte, a ressurreição e a imortalidade, Campbell faz um cruzamento de lendas e mitos de regiões diversas, ilustrando como as histórias que se contam têm o mesmo significado.
Todos os mitos, diz Campbell, são metáforas que sugerem crenças espirituais profundas, impossíveis de serem traduzidas pelas palavras comuns. Os dogmas de todas as religiões são máscaras que escondem os mesmos ensinamentos. Deus, para ele, é a experiência de olhar para uma árvore e dizer simplesmente: “Ah!” – aí está a energia essencial da vida, a força que podemos encontrar somente dentro de nós mesmos, mais ou menos como o personagem Luke Skywalker faz no seriado Guerra nas Estrelas (o diretor George Lucas diz que a série foi inspirada justamente por Campbell).
O próprio Campbell foi um paradoxo. Profundamente espiritualizado, ele não via utilidade na religião e menos ainda na fé. Ao mesmo tempo, ele sempre insistiu na necessidade de enxergar além do paradoxo.
A vida de qualquer pessoa, segundo o escritor, tem um potencial heróico – todos seguem o itinerário mitológico que vai da dependência e da imaturidade para a liberdade. O heroísmo de Campbell não deve ser confundido com sede de fama e fortuna – a maior conquista é a luta interior que resulta em renascimento espiritual.
O sucesso de Campbell como fonte de inspiração espiritual dos que admiram e seguem sua obra pode ser explicado pelo fato de que ele toca direto no maior medo de muita gente: o de não ter vivido como poderia, ou talvez não ter sequer vivido.
Símbolos contidos na nota de um dólar americano e dissecados por Campbell: a pirâmide com olho aponta para a primeira nação do mundo fundada com base na razão e não no espírito guerreiro. A águia, olhando na direção dos louros, mostra disposição para a paz. Se a diplomacia não funcionar, a outra pata traz as flechas para a guerra.
Os mitos podem guiar, advertir, especular e informar. Eles são sonhos do mundo, escreveu Campbell. A vida é a realidade. Ignorar qualquer dos dois é um risco.
(Fonte: Veja, 9 de janeiro de 1991 – ANO 24 – Nº 2 – Edição 1164 – LIVROS/ Por K.C. Kole – Pág; 66/67)
(Fonte: Veja, 8 de abril de 1992 – ANO 25 – Nº 15 – Edição 1229 – Televisão – Pág: 85)