Jeu de Paume

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Museu Jeu de Paume, em Paris.

As paredes e os porões do Museu Jeu de Paume, em Paris, carregam a história do século XX. Foi ali, em uma manhã de maio de 1924, que o escritor francês Marcel Proust, já muito doente, reviu uma de suas telas prediletas: La Vue du Delft, do holandês Vermeer.

Emocionado, Proust decidiu que Bergotte, o velho escriba de Em Busca do Tempo Perdido, morreria aos pés do quadro. No Jeu de Paume pousaram durante quarenta anos as obras-primas do impressionismo de Monet, Cézanne e Manet.

Foi ali, também, que os nazistas montaram seu depósito de pinturas roubadas durante a ocupação de Paris. Fechado desde 1986, quando os impressionistas atravessaram o Sena e foram parar no Museu d’Orsay, o Jeu de Paume reabriu suas portas em 11 de junho de 1991 para mais uma fase de sua carreira, coma uma sofisticada Galeria de Arte Contemporânea, comparável ao Kunsthalle alemão ou a uma instituição como a Whitecchapel Art Gallery de Londres.

Já em seus primeiros anos de existência, antes da II Guerra Mundial, o Jeu de Paume abrigou obras de gente como Kandinsky e Picasso, tidos então com para lá de contemporâneos. O edifício, construído em 1861 por ordem de Napoleão III para abrigar elegantes partidas de um jogo ancestral do tênis – daí o nome Jeu de Paume, em português, literalmente, jogo de palma -, passou por amplas reformas.

Visto de fora, o paralelepípedo de 80 metros de comprimento por 10 de largura não mudou. Ao seu lado estão as arcadas da Rue de Rivoli. À frente, a Place de La Concorde, mais ao longe o Grand Palais e a Torre Eiffel. Há ainda a visão da Avenue de Champs Elysées e o Arco do Triunfo. Para não ferir o conjunto decidiu-se não tocar no exterior do prédio.

 

LOUCOS DO PINCEL – A trajetória do Jeu de Paume é feita de mãos e mãos de história da arte e do homem. Em 1909, com a decadência do jogo de raquete da nobreza da França, o ginásio de esportes voltou ao controle do Estado e foi transformado em museu.

Em 1932, com a instalação no Jeu de Paume do “Museu das Escolas Contemporâneas Estrangeiras”, o edifício começava a mostrar ao mundo os loucos do pincel. Duas exposições marcaram metade do século XX. Origens e Desenvolvimento da Arte Internacional Independente, de 1937, teve a coragem de reunir 177 trabalhos de tendências consideradas ridículas na época: o cubismo, o surrealismo e o futurismo. Pela primeira vez a França do classicismo reconhecia institucionalmente os nomes de Picasso, Braque, Dalí, Miró e Klee.

O segundo grande momento do Jeu de Paume foi a retrospectiva Três Séculos de Arte nos Estados Unidos, realizada em conjunto com o então recém-inaugurado Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA. As 380 obras e objetos apresentados entre maio e julho de 1938 representavam a primeira síntese da arte americana na Europa.

Alexandre Calder, John Singer Sargent e Edward Hopper mostravam seus trabalhos ao lado de fotógrafos como Alfred Stieglitz e filmes do porte de Nascimento de uma Nação, de D.W. Griffith, e O Imigrante, de Charles Chaplin. Era a primeira grande exposição multidisciplinar em Paris. Marcava também o último instante de liberdade antes da ocupação nazista perpetrada pelos alemães de Hitler.

 

CAMPO DE CONCENTRAÇÃO – Um dos projetos de Hitler era organizar um “centro europeu de artes” em Linz, a cidade austríaca de sua infância, e para isso ele nomeou Hermann Goring. Sua missão: pilhar as coleções francesas para formar o museu ideal do Führer. Nos primeiros meses da ocupação, três salas no andar térreo do Louvre acolhiam as obras de arte extorquidas.

Em outubro de 1940, como o espaço já fosse insuficiente, o Jeu de Paume foi requisitado. Passou a servir como depósito temporário da pilhagem sistemática de Hitler. Mais de 21 000 obras, entre elas 11 000 pinturas, foram “selecionadas” pelos nazistas durante os anos de ocupação e acondicionadas no Jeu de Paume.

A guerra acabou e em 1947 o  Jeu de Paume foi encarregado de receber os impressionistas do Museu do Louvre. Ficaram ali até 1986, quando então foram transferidos para o Museu d’Orsay. O Jeu de Paume fechou suas portas, mas manteve intacta a aura que são destinados os momentos felizes e estúpidos da civilização.

Só não se salvaram aquelas famosas 600 obras que, a 27 de julho de 1943, foram reduzidas a cinzas nos fundos do Jeu de Paume. Eram parte dos Picassos, Braques, Dalís, Mirós e Klees que ocuparam o local na exposição legendária de 1937.

(Fonte: Veja, 19 de junho de 1991 – ANO 24 – Nº 26 – Edição 1188 – ARTE/ Por Fábio Altman – Pág: 100/101)

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