Jan Karski, foi uma das primeiras pessoas a alertar o Ocidente sobre os horrores do holocausto

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JAN KARSKI, A TESTEMUNHA

Jan Kozielewski foi o primeiro testemunho do Holocausto (culture.pl)

Jan Kozielewski foi o primeiro testemunho do Holocausto (culture.pl)

Jan Karski, herói da resistência polonesa ao jugo nazista

Jan Karski (Lodz, Polônia, 24 de junho de 1914Washington, 13 de julho de 2000), legendário herói polonês da Segunda Guerra Mundial. O polonês foi uma das primeiras pessoas a alertar o Ocidente sobre os horrores do holocausto

Karski, que era mensageiro da resistência polonesa, fugiu da Polônia ocupada pelos nazistas para a Grã-Bretanha só para alertar os governos ocidentais sobre o extermínio de judeus nos guetos e nos campos de concentração nazistas.

Extremamente inteligente e dotado de memória fotográfica, o mensageiro entrou clandestinamente em um gueto judaico de Varsóvia em outubro de 1942 para testemunhar o extermínio e relatá-lo ao Ocidente. Karski também penetrou em um campo de concentração para obter provas do genocídio.

Membro da Resistência Polonesa, Karski atravessava as linhas inimigas levando informações e mensagens para os aliados.

Em 1942, líderes do gueto de Varsóvia contataram-no para uma missão muito especial: ver com seus próprios olhos os horrores do Holocausto e a seguir levar as informações aos líderes aliados, pedindo ajuda.

Karski, um diplomata antes da guerra, realizou diversas viagens clandestinas para o Ocidente durante o conflito. Ele foi capturado em uma de suas primeiras missões e torturado pela Gestapo, a polícia nazista. Depois de seu resgate, o polonês se tornou um lendário mensageiro que fazia a ligação entre a resistência e o governo polonês, exilado em Londres.

Os nazistas assassinaram cerca de 6 milhões de judeus durante o Holocausto, metade deles em campos de concentração construídos na Polônia.

1939 – Nazistas invadem a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial, Jan Karski, que trabalhava na diplomacia, é capturado pelos soviéticos e levado a campo de detenção, de onde consegue fugir para se juntar ao movimento polonês de resistência.

1940 – Karski é preso e torturado pela Gestapo. No entanto, consegue escapar e volta a trabalhar para a resistência. Nos próximos anos, infiltra-se em campos de concentração e no gueto de Varsóvia e se reúne com diversas autoridades estrangeiras para denunciar o extermínio de judeus.

1943 – Karski encontra-se com o então presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, na Casa Branca.

1944 – Lançamento nos Estados Unidos do livro “Estado Secreto”, de Karski

1945 – Fim da Segunda Guerra Mundial “Soviet Russia Today” acusa Karski de ignorara papel dos trabalhadores poloneses na resistência. Após a crítica, livro perde projeção.

 

Sua juventude

Jan Kozielewski nasceu em junho de 1914, em Lodz, e era o menor de uma família de oito filhos. Católico fervoroso, assim como toda sua família, Jan aprendeu com a mãe, Walentina, a aceitar e respeitar todas as crenças, na época algo inusitado na Polônia. Desde a infância ouvia-a repetir: “Você deve acreditar em Deus, meu filho, mas lembre sempre que Ele é tão grande que nenhum ser humano consegue entendê-Lo. Judeus, muçulmanos e católicos, cada um o vê diferente, mas nunca se esqueça que veneramos o mesmo D’us”.

Estudante modelo, Jan se formou em Direito e Diplomacia, entrando em 1939 para o corpo diplomático polonês. Com a guerra se aproximando, em agosto do mesmo ano, alistou-se no exército. Servia como oficial da cavalaria quando, em 1º de setembro, os alemães invadiram e conquistaram grande parte da Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial. Duas semanas mais tarde os soviéticos entraram pelo Leste ocupando o restante do país. Capturado pelos soviéticos, Jan foi enviado para um campo de detenção de onde consegue escapar.

Junta-se à Resistência Polonesa e atua como ligação entre esta e o governo polonês no exílio, sediado em Londres. Jan possuía qualidades indispensáveis para este tipo de missão: raciocínio lúcido e rápido, prodigiosa memória fotográfica, além de aguçado instinto de sobrevivência. Farejava o perigo. Culto, falava vários idiomas. Mas, acima de tudo, era corajoso, dedicado e íntegro.

Era como foi dito em sua homenagem, quando morreu, “a melhor faceta da Polônia”. Jan tornou-se uma lenda no decorrer da guerra. Um homem que cumpria o que prometia e todas as facções da Resistência Polonesa, assim como a Resistência Judaica do Gueto de Varsóvia, confiavam nele.

Os primeiros anos da guerra

No inverno de 1939 Jan Karski – um dos tantos codinomes que adotara e pelo qual passou a ser conhecido – percorreu a Polônia coletando informações e fazendo contatos para a Resistência. Já nesta primeira viagem constatou que a vida sob o jugo nazista era terrível e que, embora o sofrimento da população polonesa fosse grande, o dos judeus era insuportável.

Em Lublin, Karski testemunhou o tipo de tratamento que os alemães reservavam para os judeus. Num dia de frio terrível viu guardas despejando água gelada sobre os judeus. Alguns desmaiaram de choque ou exaustão, outros, nus, sofreram todo tipo de violência. Em outra ocasião, ao tentar obter um passe na sede da Gestapo, em Varsóvia, viu uma secretária alemã negar um passe a umas jovens judias, grávidas: “Não vamos facilitar o nascimento de mais um judeu”, gritara a alemã.

Em toda a Polônia as cenas de brutalidade e violência se repetiam e Karski observou na época: “A Raça Dominante’ (como os alemães se auto-denominavam) é na verdade uma nação de loucos, de brutos desumanos, criaturas sem coração”.

Jan percebera que os alemães tinham “intenções diabólicas” para a comunidade judaico-polo-nesa, e num de seus relatórios para o governo polonês no exílio, Jan descreveu o que havia presenciado perto de Belzec: “… Nunca vi algo tão assustador. Os alemães criaram um campo cercado de arame farpado onde milhares de judeus estão sendo mantidos como prisioneiros… todos pareciam famintos, congelados, em total desespero, incapazes de pensar… Cenas de violência e desespero estão ocorrendo há meses… parecem irreais, parecem terríveis pesadelos…” Mas a violência contra os judeus apenas começava. Em 1942 Karski voltou para a Polônia para ver a máquina de extermínio nazista em ação, e o que viu foi tão terrível que este primeiro testemunho perdeu-se frente ao horror do segundo.

Em 1940, após varias missões, foi capturado pelos alemães ao atravessar a fronteira da Hungria para a Eslováquia portando mensagens e documentos secretos. Barbaramente torturado pela Gestapo, e temeroso de ceder à dor e revelar segredos militares, Jan tentou o suicídio. Mas era valioso demais para morrer antes de revelar informações; socorrido por seus torturadores, foi levado a um hospital. A Resistência Polonesa conseguiu libertá-lo e Jan teve de se esconder durante alguns meses. Tempos depois descobriu que sua fuga havia custado a vida de 32 pessoas, entre os quais dois padres, executados pelos nazistas como represália.

Seja nossa testemunha

No verão de 1942 Karski estava pronto para mais uma missão. Iria levar aos líderes aliados, em Londres e Washington, um apelo da Resistência Polonesa. Ao tomar conhecimento de sua missão, a embrionária Resistência Judaica do Gueto de Varsóvia decidiu contatá-lo.

Na Polônia a perseguição nazista aos judeus iniciara-se imediatamente após a invasão. Em Varsóvia, desde outubro de1939 os alemães “transferiam” os judeus para a “área judaica” da cidade, o Gueto de Varsóvia. Em menos de um ano, meio um milhão de judeus estavam cercados por muros. No dia 2 de julho de 1942 os alemães iniciaram as primeiras deportações em massa. Até o final de agosto, quando Karski encontrou-se com dois líderes da Resistência Judaica, dos 500 mil judeus do Gueto de Varsóvia 300 mil já haviam sido deportados para campos de extermínio.

O encontro entre Karski e esses líderes da Resistência Judaica foi num porão escuro de um edifício no “lado ariano” do Gueto. Um deles, Leon Feiner, líder do partido Bund, perguntou se poderia levar aos líderes aliados e aos judeus informações sobre o que ocorria com os judeus na Polônia, bem como a seguinte mensagem: “Nosso povo não está entendendo, e acredita que ainda tem uma chance. Mas nós sabemos que Hitler quer exterminar todos os judeus da Europa.

Não há força dentro da Polônia que possa salvar- nos”. Continuou afirmando que a responsabilidade de fazer algo para impedir tal tragédia era dos aliados. “Hitler perderá esta guerra, mas vencerá a guerra que declarou contra os judeus poloneses. Fale com todos para que no futuro nenhum líder aliado possa afirmar que não desconhecia o que estava acontecendo com os judeus da Polônia.”

E continuou: “Os jovens do gueto lutarão, mas precisam de armas. Fale com a Resistência Polonesa”. Pediu que fossem fornecidas aos judeus armas para lutar, dinheiro para subornar, passaportes falsos, alimentos. Os judeus sabiam que os aviões da RAF jogavam todo tipo de suprimentos para a Resistência Polonesa por meio de pára-quedas.

“Fale com os líderes judeus. Diga-lhes que estamos morrendo! Diga-lhes que organizem protestos exigindo uma ação conjunta dos aliados. E, se não forem ouvidos, que entrem em greves de fome, jejuando até morrer para tentar, quem sabe, mexer com a consciência das nações”.

Feiner já havia tentado en-viar mensagens sobre o terrível acontecimento que se havia abatido sobre os judeus e sabia quão difícil era “acreditar no inacreditável”. Sabia que para ter credibilidade Karski precisava ver com seus próprios olhos a fúria nazista em ação. Perguntou-lhe se podiam levá-lo ao gueto e se estava disposto a isso.

Vestindo roupas rasgadas e uma estrela de David no braço, Jan foi conduzido para dentro do gueto através de um túnel estreito que havia sido cavado por crianças do próprio gueto.

O que viu ao emergir ficou gravado em sua mente e em sua consciência até o dia de sua morte. Eram imagens, ruídos e odores terríveis. As ruas estavam repletas de pessoas de rostos inexpressivos, famintas, doentes, suplicando, chorando, morrendo de fome. Ouviu os gritos dos loucos e dos desesperados. Sentiu o cheiro de corpos em decomposição, totalmente nus. Feiner, que o acompanhava, murmurava a seu lado, continuadamente: “Lembre-se disto, lembre-se disto!”.

Décadas depois, raramente Jan conseguiu relatar o que vira. Na maioria das vezes dizia apenas, “Vi coisas terríveis”.

De repente, ocorreu um tumulto e Feiner o levou até um apartamento para que ele pudesse observar a rua: dois jovens armados trajando uniformes da Juventude Hitlerista estavam prestes a iniciar mais uma Judenjug, uma “caça ao judeu”. Atiravam e riam alegres quando um dos tiros atingia o “objetivo”. Jan estava paralisado de horror quando ouviu o líder do Bund lhe dizer: “Você não viu nada, ainda”. As massas agonizantes do gueto haviam-se tornado um verdadeiro “problema” para os nazistas, e ele deveria ver com seus próprios olhos como estes estavam “solucionando” os “problemas”.

Se quisesse testemunhar perante o mundo o sofrimento dos judeus, Jan teria que ver a máquina de extermínio nazista em ação. Era arriscado, mas Jan concordou e um jovem da Resistência Judaica o levou de trem até Izbica, uma área nos arredores de Belzec. Ao chegar, vestiu o uniforme de um guarda ucraniano, e foi conduzido até uma grande área cercada por um muro de arame farpado. Ao entrar, as cenas que viu eram ainda mais terríveis do que as do gueto.

Aprisionada dentro do campo estava uma massa humana. Eram judeus de todas as idades, assustados, famintos, alguns sem roupa. Enquanto estava lá testemunhou a chegada de outros mil judeus checos, a maioria parecendo estar em estado de choque. Assistiu como os guardas se apoderavam de tudo que os judeus carregavam. Viu-os atirar, esfaquear, chutar, matar homens, mulheres, velhos e mesmo crianças recém-nascidas. Vagões de trens estavam sendo “preparados” pelos guardas ucranianos para transportar os judeus. O chão de cada vagão estava sendo coberto de cal viva.

Ao receber um sinal, os guardas começaram a empurrar a massa humana para dentro dos trens. Todos iriam caber dentro dos vagões de alguma forma, vivos ou mortos. Milhares foram empurrados em cada vagão e as portas fechadas. O trem tinha como único destino a morte de seus passageiros. Algumas vezes os trens iam para um campo de extermínio; em outras eram abandonados em algum trilho por dias, semanas e, até que desaparecesse qualquer vestígio de vida.

Jan entrou em choque, seu instinto de sobrevivência desaparecera. Perdeu o controle sobre suas emoções. Soluçando enquanto tremia e gesticulava, foi levado às pressas para fora do campo pelo guarda ucraniano que havia sido subornado para deixá-lo entrar. Passaram-se horas até Jan conseguir se refazer e voltar para Varsóvia.

A missão

Em Varsóvia, ciente da importância de sua missão, Karski selou dentro de uma chave um microfilme que continha documentos e provas das atrocidades cometidas por alemães e iniciou sua viagem através da Europa ocupada. Chegou em Londres em novembro de 1942 e entregou o microfilme ao governo polonês no exílio, assim como as informações sobre a destruição dos judeus.

A primeira notícia sobre massacres e um plano alemão para eliminar os judeus da Europa já havia chegado no ocidente. Em maio do mesmo ano, o Bund conseguira mandar um relatório extremamente preciso sobre os primeiros estágios do Holocausto: os massacres no Leste e os campos de extermínio de Chelmno.

Em agosto, o rabino Wise, presidente do Congresso Judaico Mundial, recebera da sede de Genebra um telegrama alarmante, alertando-o sobre relatos de fonte fidedigna. Um industrial alemão com penetração dentro da elite nazista afirmara existir um plano para exterminar todos os judeus da Europa. O Vaticano confirmara as notícias. As informações sobre o Holocausto foram recebidas com muito cuidado. Ninguém, nem mesmo os judeus, conseguiam acreditar que tamanha monstruosidade fosse possível.

Existiam provas concretas, alguém vira o que estava sendo divulgado? Jan Karski era uma testemunha ocular, a primeira delas. Passou a relatar as execuções, as deportações em massa e as condições sub-humanas do gueto. Contou tudo. Tentou de todas as formas mexer com a consciência dos líderes aliados em Londres, mas estes se mostraram relutantes em agir. Após uma reunião secreta com o ministro britânico, Jan escreveu: “No dia 13 de fevereiro de 1943 informei a Anthony Éden o que sabia sobre a destruição dos judeus na Polônia. Ele me respondeu que a Inglaterra já tinha feito o bastante ao aceitar 100.000 refugiados”.

Ainda em Londres Karski se encontrou com Samuel Zygelboym, membro do Bund. Desconcertado ao ouvir a mensagem da Resistência Judaica, Zygelboym repetia: “É impossível, absolutamente impossível”. Após ouvir tudo, disse: “Farei tudo que pediram”. Meses mais tarde, em 12 de maio de 1943, logo após a liquidação do Gueto de Varsóvia, Zygelboym suicidou-se. Era sua última forma de protesto contra a indiferença e a passividade do mundo perante a destruição dos judeus.

Em julho de 1943 Karski foi aos Estados Unidos, onde se encontrou com líderes judaicos, membros do Congresso e do gabinete do presidente americano Roosevelt. Foi recebido mesmo pelo próprio presidente norte-americano. Durante todo o ano falou, escreveu em jornais, mas todos os seus esforços resultaram em pouca ação concreta. Ninguém ajudou os judeus. Em 1995 disse numa entrevista: “Talvez eles não tenham acreditado, talvez pensaram que eu estava exagerando”.

Um Justo

Com o fim da guerra e o advento do comunismo na Polônia, Jan Karski decidiu ficar nos Estados Unidos e sair da vida pública. “O Senhor, Deus, me deu um papel: falar e escrever durante a guerra”. Afirmava que quando ainda acreditava que algo podia ser feito nada fora feito. Amargurado queria esquecer e ser esquecido. Prometeu a si mesmo não mais falar dos acontecimentos que testemunhara. “Naquela época eu odiava toda a humanidade”.

Tornou-se um admirado professor em Georgetown e, em 1954, cidadão americano. Em 1965 Karski se casou com uma judia polonesa, Pola Nirenska, sobrevivente do Holocausto.

A primeira vez em que falou publicamente depois da guerra sobre o que vira no Gueto de Varsóvia e em Izbica foi na década de oitenta, no depoimento que prestou para o documentário de Claude Lanzmann, “Shoah”.

Em 1988 plantou na avenida dos Justos, em Yad Vashem, uma árvore em seu nome. Recebeu uma medalha com a inscrição “Quem salva uma vida salva toda a humanidade” lado, continuadamente: “Lembre-se disto, lembre-se disto!”

Jan Karski morreu aos 86 anos, no dia 13 de julho de 2000, em Washington. Karski, que morava nos EUA desde o fim da 2ª Guerra (1939-1945), morreu em um hospital de Washington. 

(Fonte: http://www.morasha.com.br/conteudo/ed31/jan – HOLOCAUSTO – Edição 31 – Dezembro de 2000)

(Fonte: www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u3995 – MUNDO – da Reuters em Varsóvia (Polônia) – 14/07/2000)

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