Jairo Ferreira, cineasta é o autor do livro “Cinema de Invenção”, uma das principais obras do cinema brasileiro

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Jairo Ferreira – Cinema de Invenção

Jairo Ferreira Pinto (São Paulo, 1945 – São Paulo, 25 de agosto de 2003), crítico, jornalista, poeta e escritor

Ex-crítico da Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, Pinto foi coordenador do Cine Clube Dom Vital (de 1964 a 1966), crítico de cinema do jornal da colônia japonesa São Paulo Shimbum (entre 1966-72), acompanhou o desenvolvimento do Cinema Marginal e foi colaborador de revistas como Filme Cultura e Artes, além de editar a revista Metacinema.

É autor do livro “Cinema de Invenção”, no qual discute a obra de vários cineastas brasileiros considerados experimentais, como Glauber Rocha, Carlos Reichenbach, Walter Hugo Khoury, Julio Bressane.

Pinto foi assistente de direção em “O Quarto”, de Rubem Biáfora, e em “Orgia ou o Homem que deu Cria”, de João Silvério Trevisan. É co-roteirista de “O Pornográfo”, longa-metragem em 35 mm de João Callegaro; de “Corrida em Busca do Amor”, longa em 35 mm de Carlos Reichenbach; de “Sonhos da Vida” e de “Sangue Corsário”, curtas-metragens 35 mm de Carlos Reichenbach.

 

Alma Corsária, de Carlos Reichenbach: filme faz parte da mostra Jairo Ferreira – Cinema de Invenção (Divulgação)

 

Ganhou o Prêmio Governador do Estado pelo roteiro do filme O Pornógrafo. Fez também vários filmes em super-8, como “O Vampiro da Cinemateca”, e um filme em 35 mm, “O Guru e os Guris”, de 1975. Em 1997, o Museu da Imagem e Som de São Paulo fez uma retrospectiva da sua obra cinematográfica.

Jairo Ferreira foi encontrado morto em sua casa em São Paulo, em 25 de agosto de 2003, aos 58 anos. Internado para tratamento, fugiu de diversas clínicas. Solteiro, só tinha uma irmã que vivia em São Paulo (outro irmão vive em Natal, RN).

(Fonte: http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema – NOTÍCIAS – CINEMA – CULTURA / Por Agencia Estado, 25 Agosto 2003)

 

 

 

 

A câmera à margem de Jairo Ferreira

Jairo Ferreira (Foto: MIS Campinas / Divulgação)

 

Jairo foi um importante crítico de cinema, que trabalhou em diversos veículos da cidade, como o São Paulo Shimbun e a Folha. Além disso, foi cineasta e companheiro de estrada de um grupo de diretores alinhados sob o rótulo nem sempre aceito por eles de “cinema marginal”.

Jairo também escreveu um livro importante chamado Cinema de Invenção, título feliz que define o tipo de filme que ele admirava e praticava. Um anticinema industrial, feito com poucos recursos, irreverente, desbocado e debochado. Um cinema idealmente feito na Boca do Lixo, aquele quadrilátero de ruas vizinhas à Cracolândia. Foi lá que se instalou um dos templos do cinema alternativo numa São Paulo desvairada, e ainda assim mais amena, na qual os cineastas conviviam pacificamente com as garotas de programa e criavam filmes que, vez por outra (porque não era sempre), mostravam uma criatividade autoral incrível. Saíram da Boca filmes como Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, e Lilian M. – Relatório Confidencial, de Carlos Reichenbach.

A mostra Jairo Ferreira, com curadoria de Renato Coelho, traz toda a filmografia do homenageado, a maior parte da qual foi captada em Super-8, num tempo em que a tecnologia digital barata de hoje em dia não existia nem em delírios da ficção científica. Estão lá impressos nesse modesto celuloide, os dois longas da lavra de Jairo, o cult Vampiro da Cinemateca,e o não menos badalado (em círculos restritos) O Insigne-Ficante.Há também os curtas e médias como O Guru e os Guris, Horror Palace Hotel e Metamorfose Ambulante – As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Toth.

Há também os filmes que compunham o elenco de admirações de Jairo – todos contemplados com artigos no livro Cinema de Invenção. Desde a obra-prima absoluta do cinema brasileiro, Limite (1931), de Mário Peixoto, até O Corpo Ardente (1966), que muitos consideram a melhor contribuição de Walter Hugo Khouri para o cinema brasileiro.

Mas estes são filmes reconhecidos até mesmo pelo cânone e pela crítica mainstream. Não constam, a não ser com muita liberdade, do panteão dos “malditos”, escaninho do cinema que era onde Jairo trabalhava mais à vontade. Nele, não poderiam faltar o emblemático A Margem (1967), de Ozualdo Candeias, filme que, do título à temática, passando pelo estilo, é o manifesto completo de toda uma tendência de época. Assim como Jardim de Guerra (1968), de Neville D’Almeida, antes de sua fase mais comercial.

Junta-se a eles uma penca de outros filmes, típicos representantes do “udigrudi” (expressão debochada devida a Glauber Rocha), tais como A Mulher de Todos (1969), de Rogério Sganzerla, Meteorango Kid – O Herói Intergalático (1969), de André Luis Oliveira, Ritual dos Sádicos (1969), de José Mojica Marins, Gamal, o Delírio do Sexo (1969), de João Batista de Andrade, Nosferatu do Brasil (1971), de Ivan Cardoso, e Sagrada Família (1970), de Sylvio Lanna, entre outros. Alguns títulos surpreendem, por exemplo, A Lira do Delírio (1978), de Walter Lima Jr., diretor mais afinado com o Cinema Novo. Ou o curta Ave (1992), do bem mais jovem Paulo Sacramento, filme aí presente por certo pelo parentesco afetivo do cineasta em seu início de carreira com a estética de escândalo dos “marginais”.

Pois era bem disso que se tratava – chocar. Tentar movimentar, por meio das imagens de impacto, o imaginário de um espectador suposto adormecido. Daí a presença de gritos, sexo, gosma e fluidos em geral, imagens e sons que desafiam a fronteira do bom gosto. São filmes que, de maneira geral, entram em conflito com o Cinema Novo, tido como já um tanto aburguesado depois de sua fase mais aguda e contestadora. Para os cineastas marginais – e para Jairo Ferreira, um ideólogo entre eles –, o Cinema Novo já celebrara o nada nobre pacto com a ditadura, que redundaria no cinemão comercial dos anos 1970 em diante, sob as asas estatais da Embrafilme.

Eram também tempos de AI-5, de ditadura feroz e de uma classe média satisfeita consigo mesma sob a anestesia do “Brasil grande”e da boa maré da economia. Era necessário fazer fumaça e contestá-la. Mas como? Uma frase do protagonista do Bandido da Luz Vermelha, na boca de Paulo Villaça, ficou célebre: “Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba”. Divisa da época. Talvez da contracultura, de modo geral. Se o “sistema” é forte demais para ser enfrentado politicamente, cabe miná-lo numa micropolítica do corpo, na imolação de si e das relações sociais, vistas como doentes.

Dessa mistura, que se socorria de várias fontes – Oswald de Andrade, Artaud, Zé Celso, o Tropicalismo, Godard, Buñuel, Sam Fuller e Orson Welles – saíram obras desesperadas, algumas excepcionais. Quem pensa que tudo isso é datado, não avalia a influência que exerce ainda sobre as gerações mais jovens. Rebeldia juvenil é algo que atravessa os tempos e encontra nesses filmes e atitudes uma senha de reconhecimento.

(Fonte: http://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin – (Caderno 2) – CINEMA – CULTURA & AFINS / Por Luiz Zanin Oricchio – 01 Fevereiro 2012)

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