Jacques Chirac, ex-presidente que governou a França entre 95 e 07, foi o 1º presidente da República a reconhecer a responsabilidade do Estado francês na deportação dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial

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Jacques Chirac, presidente da França de 1995 a 2007

 

Ele foi responsável por liderar a direita do país durante décadas

 

 

Imagem de Jacques Chirac feita em 2006, durante uma cerimônia em Paris — (Foto: Charles Platiau/Files/File Photo)

 

 

 

Um dos mais longevos chefes de estado da França

 

 

 

Mubarak (centro) escuta a primeira-dama francesa Bernadette Chirac, ao lado do então presidente da França, Jacques Chirac, durante um jantar em Paris, em 1998. — (Foto: Reuters)

 

Foi o último grande estadista francês

Foi ministro, primeiro-ministro, presidente da Câmara de Paris e presidente da República. 

 

 

Jacques Chirac (Paris, 29 de novembro de 1932 – Paris, 26 de setembro de 2019), ex-presidente que governou a França entre 1995 e 2007, e, antes disso, foi prefeito de Paris e primeiro-ministro. Ele foi o mais competente animal políticoda França das últimas décadas. Respirava negociações ou formulações de diretrizes durante as 24 horas do dia. Demonstrava uma energia obsessiva.

 

Mas não teve, como presidente da França, a mesma estatura de estadista de dois de seus mais conhecidos predecessores: o liberal Charles de Gaulle, que pôs fim à Guerra da Argélia, e o socialista François Mitterrand, arquiteto de uma União Europeia aprofundada pelo Tratado de Maastricht.

Foi por duas vezes primeiro-ministro e, durante 18 anos, prefeito de Paris (a lei francesa permite a acumulação de cargos). Num país politicamente polarizado desde o final do século 18, Chirac foi, por fim, um bom síndico das ambições da direita francesa.

O curioso é que seu legado como presidente foi construído por questões pouco ideológicas, quase consensuais. Foi o caso da abolição do serviço militar obrigatório – um recruta do século 21 não lida com a complexa tecnologia bélica – da queda em 40% das mortes no trânsito ou da construção, no Quai Branly, em Paris, de um belíssimo museu internacional de antropologia.

Prosseguiu com a reaproximação da França com a Otan (aliança militar ocidental), engajando contingentes franceses em Kosovo (1999) e no Afeganistão (2001). Mas se opôs à invasão americana do Iraque (2003), sem provas concretas de que o ditador Saddam Hussein estava envolvido com o terrorismo ou tinha armas de destruição em massa.

No episódio, ao enfrentar o presidente americano George W, Bush e o premiê britânico Tony Blair, Chirac se agigantou internacionalmente e, por momentos, refletiu uma França unificada, sem a eterna fratura entre esquerda e direita.

Foi também por iniciativa dele que o referendo de 2005 enterrou o projeto que adotaria a União Europeia de uma Constituição, o que levaria a uma Confederação de Estados com poderes bem mais reduzidos que os atuais.

Ao passar 12 anos na presidência, Chirac se tornou o chefe de Estado mais longevo no cargo depois de seu antecessor socialista, François Mitterrand. Ele foi também duas vezes primeiro-ministro, três vezes prefeito de Paris, ministro em diversas oportunidades, além de criador e líder do partido Reunião Pela República (RPR). Sua morte encerra um capítulo da história da direita francesa e da V República.

Em janeiro de 2014, sua mulher, Bernadette Chirac, estimou que o marido, que sofria de “problemas de memória”, não falaria mais em público.

A última vez que Chirac apareceu oficialmente em público foi em novembro de 2014, em um evento da fundação Chirac ao Serviço da Paz, que ele fundou em 2008. Enfraquecido, apoiado por um segurança, ele foi muito aplaudido quando chegou à cerimônia. Recentemente, a morte de sua filha mais velha, Laurence, aos 58 anos, o abalou profundamente.

 

História

Jacques Chirac nasceu em Paris, em novembro de 1932. Filho único, ele cresceu na Corrèze, no centro-oeste francês.

Na juventude, que teve como pano de fundo a Guerra Fria nos anos 1950, foi simpatizante do comunismo. Ele assinou o Apelo de Estocolmo pró-URSS contra a bomba atômica. Ele chegou a estudar nos Estados Unidos e, ao retornar à França, concluiu a trajetória clássica de estudos da elite francesa na prestigiosa Escola Nacional de Administração (ENA). Em em 1956, Chirac se casou com uma aristocrata, Bernadette Chaudron de Courcel, com quem teve duas filhas e adotou uma terceira.

No fim da década de 1950 cumpriu o serviço militar na Argélia, onde participou nas operações militares contra os independentistas, o que rendeu uma medalha de honra.

Sua carreira política começou no conselho municipal de Sainte-Féréole, em Corrèze, em 1965. Depois, foi eleito deputado.

Jacques Chirac em 14 de julho de 1998, após a França conquistar a Copa do Mundo — (Foto: Gabriel Bouyos/AFP)

 

 

Em 1967, ele passou a integrar um dos últimos governos do general De Gaulle. Como secretário do Estado para o Trabalho, negociou com os sindicatos aumentos salariais durante os distúrbios de maio de 1968. Rumores dizem que ele comparecia armado às reuniões com a CGT, o poderoso sindicato.

Em 1974, aos 41 anos, se tornou o primeiro-ministro de seu grande rival na direita, o presidente Valéry Giscard d’Estaing, pró-Europa e liberal, que permitiu pouca margem de manobra para governar. Chirac renunciou ao cargo em agosto de 1976.
Adepto de um “trabalhismo à francesa”, chamava Giscard e seus simpatizantes de “partido do exterior”. Herdeiro autoproclamado do general De Gaulle, Chirac fundou o próprio partido, Reunião Pela República (RPR), venceu a prefeitura de Paris, em 1977, e disputou a presidência pela primeira vez em 1981.

Foto de Jacques Chirac no museu Quai Branlyem Paris, em novembro de 2014 — (Foto: Patrick Kovarik/Pool/File Photo/Reuters)

 

 

Convertido ao liberalismo dos anos Thatcher e Reagan, Jacques Chirac voltou a ser primeiro-ministro em 1986 em um governo de “coabitação” com o presidente socialista François Mitterrand, que o derrotou com grande folga nas eleições de 1988.

Em 1995, ele foi eleito presidente pela primeira vez e, em 2002, foi reeleito para um segundo mandato, após uma eleição que marcou a história recente francesa. Para surpresa geral, o presidente da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen, chegou ao segundo turno. Chirac concentrou, então, o apoio dos opositores da direita radical e obteve 82,21% dos votos.

Herança chiraquiana

O ex-presidente dos EUA, Bill Clinton, o ex-presidente da França, Jacques Chirac, e o ex-chanceler alemão Helmut Kohl — (Foto: Reuters)

 

 

Internacionalmente, Jacques Chirac entrou para a história como o presidente que ousou resistir aos Estados Unidos e não entrar na guerra no Iraque em 2003. Ele também foi o primeiro presidente da República a reconhecer a responsabilidade do Estado francês na deportação dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

A França da era Chirac foi um dos primeiros países desenvolvidos a apoiar a candidatura do Brasil a uma cadeira do Conselho de Segurança da ONU. Esse apoio, aliás, foi ressaltado durante sua visita à Brasília, em maio de 2006, quando foi recebido pelo presidente Lula. Foi também durante seu último mandato que foi realizado, em 2005, o bem sucedido “Ano do Brasil na França”, que comemorou os laços históricos entre os dois países.

 

Em relação a Europa, a política de Chirac é mais contrastada. Sua indefinição é apontada como responsável pelo não francês ao referendo de 2005 sobre a Constituição europeia, o que o enfraqueceu politicamente. Mas o ex-presidente também defendeu a entrada no bloco de outros países, principalmente do leste europeu.

 

Condenação judicial

O ex-presidente também tem uma mancha em seu histórico político. Chirac foi o primeiro chefe de Estado francês a ter sido condenado pela Justiça. Em 2011, depois que tinha perdido sua imunidade como presidente, ele foi condenado a dois anos de prisão, com direito a sursis, por empregos-fantasmas quando era prefeito de Paris, entre 1977 e 1995. Já sofrendo da doença degenerativa, ele obteve autorização para não comparecer ao tribunal.

Jacques Chirac com Muammar Kadhafi, em Tripoli, em 24 de novembro de 2004 — (Foto: Patrick Kovarik/AFP)

Comunista, gaullista, liberal, ambientalista

Jacques Chirac testemunhou os horrores da Segunda Guerra e a ocupação nazi. Comunista nos anos 50, abandonou o que chamou de “sectarismo” do Partido Comunista. Voluntariou-se, em 1956, para a guerra na Argélia e foi um fervoroso apoiante do general De Gaulle.
A sua carreira política começou nos anos 60 e foi mudando de agulha ao longo dos tempos. Gaullista e eurocético nos anos 70, advogou o modelo liberal de Ronald Reagan e Margaret Thatcher nos anos 80, antes de se tornar um defensor da coesão social nos anos 90. Alvo de fortes críticas por ter autorizado ensaios nucleares na Polinésia Francesa em 1995, mostrou-se preocupado com o ambiente e as alterações climáticas, ao instaurar um imposto sobre as passagens aéreas.

Em 2002 afirmou que a inação perante a destruição da natureza era “um crime da humanidade contra a vida”.

 

Notabilizou-se também por tomadas de posição mais alinhadas com a esquerda, como por exemplo a taxa Tobin (sobre transações financeiras) ou a sua total oposição à invasão do Iraque levada a cabo pelos Estados Unidos e Reino Unido em 2003.

 

Altos e baixos

Jacques Chirac teve uma longa e bem-sucedida carreira política, mas não somou apenas vitórias. Chirac foi o primeiro maire eleito de Paris, em 1977, tendo sido reeleito até se candidatar, com sucesso, à presidência, em 1995. Foi à terceira que conseguiu o passaporte para o palácio do Eliseu. Já tentara em 1981 contra Valéry Giscard d’Estaing, e em 1988 contra François Mitterrand.

Chirac não teve problemas em manter-se à frente da autarquia entre 1986 e 1988 enquanto, pela segunda vez, chefia o governo francês. O seu primeiro mandato enquanto primeiro-ministro iniciou pouco depois da revolução do 25 de Abril e durou até 1976.

Pouco depois de se tornar presidente, Chirac torna-se no primeiro dirigente a reconhecer responsabilidades pelo papel dos franceses na deportação de judeus durante a Segunda Guerra. “Estas horas negras mancham para sempre a nossa história e são um insulto ao nosso passado e tradições. Sim, a loucura criminosa do ocupante foi apoiada pelos franceses, pelo Estado francês.”

 

Já na presidência, Chirac, perante a contestação às reformas do setor público planeadas pelo governo do seu fiel Alain Juppé, surpreende e dissolve a Assembleia. O PS de Lionel Jospin ganha as eleições e forma um governo com comunistas, verdes e elementos de outros partidos de esquerda.

 

Jacques Chirac era um homem espontâneo: em 1996, em Jerusalém, a segurança israelita impede-o de cumprimentar os palestinianos. Irritado, o presidente dirige-se em inglês ao chefe da segurança, ameaçando dar meia volta e regressar de imediato a Paris. Em 2001, no meio da rua, um cidadão chama-o de “idiota”. Chirac estende-lhe a mão e, sem perder o humor, afirma: “Muito prazer, eu sou Chirac”. E no ano seguinte, na final da Taça de França em futebol, entre o Bastia (Córsega) e o Lorient, os adeptos corsos assobiam o hino. Indignado, Chirac abandona o estádio.

 

2005 é um ano para esquecer. Em termos pessoais, Chirac sobrevive a um AVC. Meses antes sofre uma derrota que irá ter repercussões em toda a Europa. Organizou um referendo para se ratificar o projeto de constituição europeia. Mas nesta altura Chirac e o projeto europeu não gozavam de grande popularidade e 54,8% dos eleitores rejeitou a ideia — e a constituição europeia foi guardada na gaveta.

 

Condenado pela justiça

 

Edwy Plenel, fundador do Mediapart, site francês de jornalismo de investigação, alertou: “Perante o dilúvio de homenagens extasiadas a Chirac, lembre-se que o antigo presidente foi considerado culpado de quebra de confiança, desvio de fundos públicos e apropriação ilegal de capitais.”

 

No final do anos 90 são trazidos a público vários casos sobre o financiamento do partido que lidera, o RPR, que acumula com a autarquia da capital francesa. Mas como está em funções presidenciais não só tem imunidade como pode recusar, como fez, prestar declarações aos magistrados.

 

Uma vez saído do Eliseu, em 2007, Chirac é ouvido pelos tribunais sobre o processo de empregos fictícios na Câmara de Paris, como testemunha. Mas mais tarde passou a arguido, acusado de “desvio de fundos públicos”. O julgamento decorreu em 2011, ao qual não compareceu por razões de saúde. Em 15 de dezembro de 2011, Jacques Chirac foi condenado pelo Tribunal Penal de Paris a dois anos de prisão suspensa. É a primeira vez que um antigo presidente é acusado, julgado e condenado após o seu mandato.

Jacques Chirac faleceu em 26 de setembro de 2019 aos 86 anos. A Assembleia Nacional fez um minuto de silêncio em sua homenagem imediatamente após o anúncio da morte feito pelo genro do ex-presidente.

“Ele morreu cercado por entes queridos. Pacificamente “, declarou Frédéric Salat-Baroux, marido de Claude Chirac, sem especificar a causa da morte.

Do outro lado do espetro político, Jean-Luc Mélenchon, presidente de França Insubmissa, escreveu: “A história de França virou uma página. Recebamos a tristeza porque ela tem as suas razões. Ele amava a França mais do que outros desde então. E por isso, nós estamos agradecidos.”

(Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/09/26 – MUNDO / NOTÍCIA / Por G1 – 26/09/2019)
(Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/09 – MUNDO / NOTÍCIA / Por João Batista Natali – SÃO PAULO – 26.set.2019)
(Fonte: Zero Hora – ANO 56 – N° 19.515 – 27 de SETEMBRO de 2019 – TRIBUTO / MEMÓRIA – Pág: 31)
(Fonte: https://www.dn.pt/edicao-do-dia/27-set-2019 – DIÁRIO DE NOTÍCIAS / EDIÇÃO DO DIA – Nº54946 – 27 SET 2019)
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