Giangiacomo Feltrinelli, editor e militante da extrema esquerda, ligado a grupos revolucionários em todo o mundo

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Feltrinelli: vida misteriosa

Giangiacomo Feltrinelli (Milão, 19 de junho de 1926 – Segrate, 14 de março de 1972), editor e militante da extrema esquerda de personalidade contraditória, milionário mas ligado a grupos revolucionários em todo o mundo.

Nascido em junho de 1926, em Milão, aos quatro anos perdeu o pai, vítima dos fascistas; isso seria um dos fatores do seu engajamento, após a guerra, nos movimentos de esquerda. Iniciou no Partido Socialista o trajeto que o levaria pouco depois ao Partido Comunista Italiano e, finalmente, a uma longa caminhada em direção aos movimentos guerrilheiros da América Latina.

Em choque com o PCI por ter publicado o romance “Doutor Jivago”, do escritor soviético Boris Pasternak (1890-1960), Feltrinelli não tardaria em tornar-se amigo de Che Guevara, Fidel Castro e Régis Debray, cujas obras também editou. Seu desprezo pelo PCI, que abandonou em 1957, por considerá-lo “totalmente aburguesado”, está expresso numa de suas frases prediletas: “Qualquer um pode fazer sua revolução sozinho”. A frase espelharia, também, um possível rancor do tempo em que era encarregado de vender o jornal do partido, “L’Unità”, às beatas nas portas das igrejas, enquanto os “camaradas” riam às suas costas.

Modelo de “Vogue” –  A sua vida particular também oferece elementos para a compreensão do personagem. Casado pela primeira vez com Bianca della Nogare, uma belíssima mulher, filha de um oficial de cavalaria, Feltrinelli, fiel a suas ideias políticas, endossava o boato de que ela era de família de operários.

Casou-se depois com Allessandra De Stefani e mais tarde com Inge Schoental, alemã, da qual também se separou para para unir-se a Sibilla Melega – esta tão revolucionária quanto ele -, com quem vivia há três anos. Em todos os casos, obteve anulação dos casamentos alegando impotência, não se sabe se real ou devida à colaboração de médicos bem recompensados.

Feltrinelli posava com a mesma naturalidade em Cuba, vestido de guerrilheiro, como para a revista de modas “Vogue”, num rico casaco de peles e gorro russo, modelo “Doutor Jivago”. Autodefinia-se como “o Guevara italiano”, o que não o impediu, ao comemorar um aniversário de sua editora de esquerda, de promover uma festa em sua “villa” no lago di Garda, com dezenas de lacaios em trajes setecentistas.

 

A coerência de sua ação com suas ideias, ao divulgar livros e manuais revolucionários, custou-lhe na Itália uma denúncia por instigação à violência e à revolta. Há dois anos, em 1970, foi denunciado por falso testemunho num processo contra dois anarquistas acusados de atentado a bomba.

Recentemente, estava convocado a depor no processo contra o anarquista Pietro Valpreda (1933-2002), acusado da explosão do Banco Nacional da Agricultura, em dezembro de 1969, na qual morreram doze pessoas e cinquenta ficaram feridas. Feltrinelli, que estava desaparecido desde a época desse atentado, ressurge agora, como uma força capaz de tumultuar o panorama político italiano com muito mais intensidade do que pretendia quando vivo.

 

As esquerdas – Esse panorama já era suficientemente confuso, independentemente do caso Feltrinelli. Entre os milhares de candidatos inscritos para as próximas eleições, há representantes de hippies, nudistas e até o anarquista Valpreda, que aceitou o lançamento de seu nome pelo grupo maoísta Manifesto.

A amplitude da influência da morte do editor sobre esse quadro é ainda difícil de prever. É certo que os grupos clandestinos perderam, com ela, sua principal, se não única, fonte de recursos. É certo também que, se se confirmar a explicação oficial de sua morte, as esquerdas serão prejudicadas nas próximas eleições, em 7 de maio, enquanto os partidos de centro, e sobretudo a extrema direita, serão beneficiados. De qualquer forma, o eleitorado fortaleceu os partidos maiores – o democrata-cristão e o comunista.

O PCI encerrou em Milão, em 17 de março, o seu XIII Congresso. Nele o mais importante foi a ascensão do novo secretário-geral, Enrico Berlinguer (1922-1984), de 49 anos, em substituição a Luigi Longo (1900-1980), de 72, alçado a uma presidência honorária.

Berlinguer, há muito tempo dirigente de fato dos comunistas italianos, afirmou no congresso que “a conquista do poder político é de dramática urgência”. Para atingir esse objetivo, não hesitaria em aliar-se a outros partidos de esquerda. As nuanças da coexistência não podem ser estranhas a Berlinguer, cuja mulher, Letizia, é católica praticante.

Giangiacomo Feltrinelli faleceu em 14 de março de 1972. O forte estampido, na noite da quarta-feira, dia 15 de março, não preocupou os moradores de Milão, habituados aos constantes “bangs” de aviões rompendo a barreira do som. Os ecos da explosão, no entanto, começariam a surgir na manhã de sexta-feira no confuso panorama político italiano, ameaçando abalar toda a campanha para eleições parlamentares do dia 7 de maio.

Naquela manhã, todos os jornais introduziram um novo e macabro dado – um cadáver totalmente mutilado – no complicado quadro: o estampido ouvido duas noites antes fora causado pela explosão de sete cargas de dinamite. Nela, morrera o militante e editor Giangiacomo Feltrinelli, de 45 anos.

Há várias hipóteses sobre as circunstâncias da sua morte. Seu corpo foi destroçado por uma explosão. Segundo alguns, ele estaria preparando um ato de sabotagem ao pé de uma torre de alta tensão em Segrate, perto de Milão. Outros acreditam que sua morte tenha sido obra da CIA e dos serviços secretos italianos. A tese de homicídio foi sustentada por um manifesto assinado por Eugenio Scalfari e outros. O texto começava com a afirmação “Giangiacomo Feltrinelli foi assassinado”, o que, no entanto, foi desmentido pela investigação do ministério público.

A versão oficial – Feltrinelli teria morrido quando se preparava para dinamitar uma torre de alta tensão em Segrate, nos arredores de Milão. Em um comunicado da Editora, por exemplo, totalmente desacreditada, atribuiu “o monstruoso assassínio” à “reação internacional e à direita”.

A hipótese foi endossada por grupos de extrema esquerda – que Feltrinelli financiava generosamente -, para os quais a morte do editor não passaria de uma “encenação das forças reacionárias” para fazer recair sobre os movimentos de esquerda a culpa de todos osa tentados ocorridos na Itália nos últimos dois anos e meio. O suposto “complô internacional” denunciado pelos extremistas inclui desde a Central Inteligence Agency, a CIA americana, até os coronéis gregos, governos sul-americanos e a direita industrial europeia.

 

(Fonte: Veja, 22 de março de 1972 – Edição 185 – INTERNACIONAL – Pág: 31)

 

 

 

 

 

 

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