Foi pioneira nas críticas ao feminismo hegemônico

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Foi pioneira nas críticas ao feminismo hegemônico e nas reflexões acerca das diferentes trajetórias de resistência das mulheres ao patriarcado

 

Tornar-se negra, intelectual e ativista: percursos de Lélia Gonzalez

Tornar-se negra, intelectual e ativista: percursos de Lélia Gonzalez

 

Lélia Gonzalez, ícone da luta antirracista e feminista no Brasil.

 

 

Lélia Gonzalez (Belo Horizonte, 1º de fevereiro de 1935 – Rio de Janeiro, 10 de julho de 1994), intelectual e feminista negra brasileira, foi referência de uma grande personagem, que esteve no furacão das lutas pela democratização do Brasil. 

 

Intelectual, feminista e militante do movimento negro brasileiro, Lélia Gonzalez nos legou vários dos temas que ainda agitam as reivindicações políticas brasileiras e levam milhares de pessoas às ruas.

Lélia Gonzalez, nos anos de 1980, refletiu atentamente sobre a realidade de exclusão das mulheres na sociedade brasileira, principalmente das negras e indígenas. Ela foi pioneira nas críticas ao feminismo hegemônico e nas reflexões acerca das diferentes trajetórias de resistência das mulheres ao patriarcado, evidenciando, com isso, as histórias das mulheres negras e indígenas, no Brasil, na América Latina e no Caribe.

O seu pensamento inaugura também a proposição de descolonização do saber e da produção de conhecimento e, atuando como “forasteira de dentro” (outsider within), como define Patrícia Hill Collins, questiona a insuficiência das categorias analíticas das Ciências Sociais para explicar, por exemplo, a realidade das mulheres negras.

Lélia de Almeida nasceu em 1º de fevereiro de 1935 em Belo Horizonte e ainda criança migrou com a extensa família para o Rio de Janeiro, então capital do país, sob a proteção financeira do irmão mais velho, Jorge, jogador do time do Flamengo. Fez duas graduações na Universidade da Guanabara e tornou-se professora secundária, posteriormente seguiu a carreira docente, ocupando cadeiras em importantes estabelecimentos de ensino superior fluminenses, a exemplo da PUC/Rio e UERJ.

Como estudante e professora experimentou ascensão social via formas expressas de embranquecimento: realizou um casamento inter-racial, do qual vem o sobrenome Gonzalez; na escola aprendeu os gostos das classes médias e seu estilo de vida; fez amigos no seio do estrato médio carioca e adotou sua forma de viver, como o gosto pela bossa nova, a preferência por roupas e cortes de cabelo à moda “dos anos dourados”, incluindo o alisamento capilar e o uso de perucas. Era uma forte candidata ao ingresso no “mundo dos brancos” – parafraseando Florestan Fernandes.

Defrontada com a recusa e a rejeição ao seu matrimônio, sua experiência pessoal com o preconceito e a discriminação e a aproximação com a militância negra que se reorganizava no Rio de Janeiro pode ser entendida como parte das motivações que a levaram a ingressar na luta política. Em que pesem essas dimensões subjetivas para o seu engajamento político, o pensamento da autora é devedor, sobretudo, da rede de movimentos sociais em que se engajou em meados dos anos de 1970, época em que Lélia Gonzalez iniciou seus primeiros escritos. Ao lado de Abdias Nascimento e em paralelo com Beatriz Nascimento dentre outros(as) intelectuais ativistas negros(as), Lélia Gonzalez teve uma atuação nacional e internacional passando por países africanos, europeus e pelos Estados Unidos.

O racismo foi, pois, uma experiência que a enegreceu, ou, como ela gostava de dizer acerca das relações raciais em seu país natal: não se nasce negro, torna-se: “a gente nasce preta, mulata, parda, marrom, roxinha dentre outras, mas tornar-se negra é uma conquista”. Ao parafrasear Simone de Beauvoir, antes recriada por Neuza Santos Sousa no livro “Tornar-se negro”, Gonzalez a um só tempo nos propõe uma versão não essencialista da raça − mostrando a possibilidade de reclassificação social − e revela a dificuldade de se tornar e ser negro(a) num país que apregoa a democracia racial, ao mesmo tempo em que propaga o branqueamento social e estabelece lugares sociais segregados com base em atributos adscritos por cor, sexo e condição de classe.

Seu trabalho intelectual foi marcado pela produção sobre a mulher negra, no qual conseguia explorar os significados sociais, ocupacionais e culturais relativos à naturalização das relações entre classe, raça, gênero e espaço. Por outro lado, Gonzalez não se cansou de denunciar as experiências diferenciadas de racismo por gênero e apontou a discriminação vivenciada pelos homens negros, apreendidos por lógicas de controle e dominação social, que envolvem desde violenta repressão policial até o extermínio físico.

Foi justamente essa postura de desnaturalização que tornou seu discurso e suas práticas irreverentes até mesmo para os círculos políticos mais progressistas que frequentava, especialmente a imprensa alternativa, os movimentos feminista, negro, de mulheres negras e homossexual. Nesse sentido, a trajetória e pensamento de Lélia Gonzalez têm muito a dizer sobre a perspectiva contra-hegemônica que ajudou a construir no Brasil.

(Fonte: http://www.scielo.br – Rev. Estud. Fem. vol.22 no.3 – Cláudia Pons Cardoso – Florianópolis Sept./Dec. 2014)

(Fonte: http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2014/02/03 – Tornar-se negra, intelectual e ativista: percursos de Lélia Gonzalez – Por Flavia Rios e Alex Ratts – De Douglas Belchior – 3 de Fevereiro de 2014)

Alex Ratts, antropólogo, e Flavia Rios, socióloga, escreveram a biografia de Lélia Gonzalez, publicada pela  Selo Negro/Summus,  em 2010.

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