David Lynch, diretor lendário de filmes como “Cidade dos sonhos” (2001) e da série “Twin Peaks”, recebeu quatro indicações ao Oscar e era conhecido por obras sombrias e surrealistas

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David Lynch, diretor lendário de ‘Cidade dos sonhos’ e ‘Twin Peaks’

Americano recebeu quatro indicações ao Oscar e era conhecido por obras sombrias e surrealistas.

David Lynch, diretor lendário — (Foto: Frederick M. Brown / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP)

 

 

David Lynch, diretor lendário de filmes, foi um dos gigantes do cinema dos Estados Unidos que retratou o lado sombrio da vida de seu país em obras como da série “Twin Peaks”, “Veludo Azul” e “Cidade dos Sonhos” (2001). Conhecido por histórias surrealistas e sombrias e um humor desconcertante, o cineasta recebeu quatro indicações ao Oscar ao longo da carreira.

Desde a intrigante obra sadomasoquista “Veludo Azul” (1986) até o thriller lésbico “Cidades dos Sonhos” (2000), Lynch se tornou um cineasta cult mundial, com seus retratos perturbadores da vida americana que influenciaram diretores como Quentin Tarantino e os irmãos Coen.

Mas talvez seja lembrado principalmente pela fascinante e inovadora série de televisão “Twin Peaks”, pioneira do gênero antes da era do streaming.

Indicado ao Oscar quatro vezes, o cineasta, reconhecido por seu cabelo branco abundante, levou para casa apenas uma estatueta honorária, em 2019.

Depois de considerar seguir carreira como pintor na juventude, ofício que chegou a estudar, passou a se dedicar à realização de curtas.

Em 1977, ficou conhecido logo com seu primeiro longa-metragem, o independente “Eraserhead”, que se tornou cult com os anos.

O reconhecimento veio rápido e ele foi contratado para escrever e dirigir “O homem elefante” (1980). A história estrelada por John Hurt e Anthony Hopkins sobre vida de um homem desfigurado recebeu oito indicações ao Oscar — incluindo as de roteiro adaptado e direção para Lynch.

Depois do fracasso com a adaptação da ficção científica de “Duna” (1984), ele se recuperou com um combo duplo de sucessos.

Em 1986, recebeu uma nova indicação ao Oscar pela direção do noir surrealista “Veludo azul”. Seu projeto seguinte, “Coração selvagem” (1990), ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes.

No mesmo ano, revolucionou a TV americana com o lançamento da série de mistério “Twin Peaks”. Com a investigação da morte de uma colegial (Sheryl Lee) em uma pequena cidade, o drama conquistou status cult, mesmo após o cancelamento na segunda temporada.

Depois, o projeto ganhou o filme “Twin Peaks: Os últimos dias de Laura Palmer” (1992) e uma nova temporada, 25 anos depois, em 2017.

Para gerações mais recentes, Lynch talvez seja mais conhecido também pelo suspense com ares surrealistas “Cidade dos sonhos” (2001), filme que alçou a atriz Naomi Watts (de “King kong” e “21 gramas”) ao estrelato.

Para Lynch, a obra também trouxe reconhecimento: rendeu a ele o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes, em 2001, e uma indicação ao Oscar.

O diretor também costumava fazer participações como ator e a mais recente foi em “Os Fabelmans” (2022), na pele de outro diretor lendário, John Ford.

– Atração monstruosa –

Filho de pai cientista e mãe professora e nascido em Montana (norte) em uma família grande (quatro irmãos), Lynch teve uma vida errante.

Descobriu sua paixão na faculdade de Belas Artes da Pensilvânia nos anos 70, onde começou a pintar e a filmar curtas-metragens.

Desde o início, suas obras apresentavam personagens estranhos e marginais. Seu primeiro longa-metragem, “Eraserhead”, filmado em 1977 em preto e branco, tratava de um bebê deformado monstruoso.

Lynch levou cinco anos para filmá-lo devido ao orçamento limitado. O cineasta ambientou a história no deprimido cenário industrial de Filadélfia e a impregnava com uma calma inquietante que se tornaria uma de suas marcas registradas.

Poucas pessoas que assistiram à obra a esqueceram. Nem mesmo outro mestre em ascensão de Hollywood, Stanley Kubrick, escondeu sua admiração.

Lynch continuou sua obsessão por retratar deformidades humanas em “O Homem Elefante”, dramatizando a trágica vida de Joseph Merrick, que nasceu com uma grave deformação física.

Um John Hurt irreconhecível no papel principal recebeu uma das oito indicações ao Oscar do filme, enquanto Anthony Hopkins interpretou o médico amável que se tornou amigo de Merrick nos anos que antecederam seu suicídio aos 27 anos.

Foi um sucesso internacional que catapultou Lynch ao estrelato em Hollywood, mas seu brilho acabou ofuscado após a adaptação do romance de ficção científica “Duna”, que foi um fracasso estrondoso de 40 milhões de dólares.

– Mistério entre os pinheiros –

“Veludo Azul” levou Lynch ao caminho do sucesso e marcou o início de um relacionamento de cinco anos com a estrela do filme, Isabella Rossellini.

Em 1990, Lynch confirmou seu retorno com aquela que talvez seja sua obra mais influente: “Twin Peaks”.

Ambientada na fictícia cidade de Twin Peaks, no estado de Washington, perto da fronteira com o Canadá e chamada assim por seus altíssimos pinheiros, a história de Lynch começava com um saco para cadáveres contendo uma jovem sendo recuperado de um lago.

Ao longo de oito episódios, uma estranha normalidade foi se instalando, e o assassinato da bela Laura Palmer ficou sepultado sob camadas de mistério.

Foi um sucesso em sua primeira exibição na ABC e fez parte de um grande ano para Lynch, que também levou o primeiro prêmio em Cannes com seu filme “Coração Selvagem”.

Lynch fez uma série sequencial de “Twin Peaks” em 1991 e, um ano depois, um filme spin-off protagonizado, entre outros, por David Bowie, junto ao simpático agente do FBI Cooper, interpretado por Kyle Maclachlan.

– Meditação e meteorologia – 

O lado sombrio do “sonho americano” foi uma das obsessões de Lynch, mas ele se desviou do tema em “The Straight Story” para contar a história real de um homem que viajou em seu cortador de grama de Iowa a Wisconsin para visitar um irmão doente.

Em 2006, com o lançamento de “Inland Empire”, um retrato sombrio de Hollywood protagonizado por uma Laura Dern enlouquecida no papel de uma atriz abatida, Lynch deu por encerrada sua carreira cinematográfica.

Naquele mesmo ano, ele se casou e se divorciou de sua terceira esposa, Mary Sweeney, diretora e produtora de cinema que havia sido uma de suas colaboradoras por muito tempo.

Em 2009, casou-se pela quarta vez com a atriz Emily Stofle, com quem teve um quarto filho, mas frequentemente esteve ausente como figura paterna, consumido por seu trabalho.

“É preciso ser egoísta. E isso é terrível”, disse Lynch em 2018 sobre suas habilidades como pai. “Na verdade, eu nunca quis me casar, nunca quis ter filhos. Uma coisa leva à outra, e aí está.”

Ao longo das últimas décadas, Lynch explorou a fotografia e a música até se tornar um defensor da meditação transcendental.

Lynch, fumante inveterado e viciado em café, costumava se sentar duas vezes ao dia desde 1973 para repetir um mantra durante 20 minutos e se tornou uma espécie de guru do clima, criando uma “previsão meteorológica” on-line de um minuto de duração que transmitia diretamente de sua casa em Los Angeles.

Vinda ao Brasil

Em 2008, ele veio ao Brasil pela primeira vez, para divulgar seu livro “Em águas profundas – criatividade e meditação”.

“Um artista não precisa sofrer para mostrar sofrimento, ele só tem que entender o sofrimento. A intuição é o principal instrumento de um artista. Sou uma pessoa feliz por dentro, mas minhas histórias refletem o mundo real, e vivemos num mundo negativo”, disse o diretor, que começou a se dedicar à meditação durante os anos 1970. Ele atribuía a ela as ideias que deram origem a seus filmes.

“É uma técnica mental que ajuda a criatividade e abre a porta para um nível de vida mais profundo, o infinito, sem limites”, disse ele, sobre a meditação transcendental. “Você pratica um mantra, que te coloca na base entre a matéria e a mente. De repente, tudo se expande e a vida fica muito boa.”

Lynch contou que essa filosofia estava presente nos bastidores de todas as suas filmagens. “Gosto de trabalhar num set feliz, como uma família. Acho que o set tem que ser um lugar seguro para o ator, onde ele possa se aprofundar. Acho que o medo e pressão prejudicam a criatividade e, consequentemente, prejudicam o trabalho.”

David Lynch morreu aos 78 anos.

O diretor e roteirista, que morava em Los Angeles, havia anunciado em agosto de 2024 que sofria de enfisema pulmonar após anos de tabagismo.

Ele revelou em 2024 ter sido diagnosticado com enfisema pulmonar. O cineasta fumava desde os oito anos. A doença o impediu de continuar a dirigir produções presencialmente.

“Há um grande vazio no mundo agora que ele não está mais conosco”, escreveu a família de Lynch, no Facebook. “Mas, como ele diria, ‘fiquem de olho na rosquinha, e não no buraco’. É um dia lindo com raios de sol dourados e céus todos azuis.”

(Direitos autorais reservados: https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2025/01/16 – POP & ARTE/ CINEMA/ NOTÍCIA/ Por Redação g1 – 16/01/2025)

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