Daniel Serrão, médico, especialista em anatomia patológica e bioética, e precursor da bioética em Portugal

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Especialista em anatomia patológica e bioética 

Daniel Serrão, fotografado em 2007 (Foto: FERNANDO VELUDO / PUBLICO)

Daniel Serrão, fotografado em 2007 (Foto: FERNANDO VELUDO / PUBLICO)

 

Daniel dos Santos Pinto Serrão (Vila Real, São Dinis, 1º de março de 1928 – Trofa, 8 de janeiro de 2017), médico, especialista em anatomia patológica e bioética, e precursor da bioética em Portugal

Daniel Serrão nasceu em Trás-os-Montes, a 1º de março de 1928. Filho de um funcionário público, era um entre três irmãos. Um seguiu engenharia e o outro química. Daniel Serrão, por seu turno, e como contou nas várias entrevistas que deu, decidiu ser médico quando, no 5.º ano de escolaridade, iniciou os estudos de biologia. Terminou o curso de Medicina em 1951.

Doutorou-se em 1959, com 19 valores. A partir de 1961 foi professor na Universidade do Porto, em 1969 prestou serviço no hospital militar de Luanda e tornou-se professor catedrático de Anatomia Patológica em 1971. Entre 1974 e 1976 foi impedido de exercer funções acadêmicas e hospitalares, mas o despacho viria a ser anulado um ano depois. Quando se jubilou, em 1998, era já uma referência internacional pelas suas investigações na área da bioética.

O médico e acadêmico foi ainda membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, durante 15 anos, e da Academia Pontifícia para a Vida, uma instituição criada pelo Papa João Paulo II. Em 2008, Serrão recebeu do então Presidente da República, Cavaco Silva, a Grã-Cruz da Ordem Militar de Santiago da Espada.Participou na construção da declaração universal do genoma humano como patrimônio da humanidade na Unesco. 

Frontal e convicto, assumiu posições  que o colocaram no centro de algumas controvérsias. Em 2013, defendeu, durante uma homenagem que lhe fizeram, que o Serviço Nacional de Saúde, num país mergulhado em crise, devia reduzir a prestação de assistência médica gratuita a um pacote reduzido de cuidados. “Tem uma apendicite aguda, é operado e vai trabalhar. Agora quem tem uma dorzinha nas costas, aguente-a”. Durante os referendos para a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, colocou-se ao lado dos movimentos pró-vida, ao lado de nomes como Gentil Martins, Bagão Félix e Rui Gomes da Silva, com os quais defendeu a realização de um terceiro referendo sobre o aborto.

Antes, em 2011, e numa altura em que o recurso às barrigas de aluguer não era ainda uma realidade, o ex-membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida defendia já a criação de excepções à proibição legal do recurso a barrigas de aluguer, embora apenas quando uma mulher impossibilitada de engravidar por doença pudesse contar com a colaboração de alguém do seu círculo familiar. “Se for no interior de uma relação familiar, como um ato de amor, do ponto de vista ética é legítimo”, defendeu então.

Em 2008, ano em que cumpriu 80 anos, propôs-se chegar até aos 120 anos.”A Bíblia diz que a duração média do homem é de 120 anos. Sabe-se que o relógio biológico da espécie humana é de igualmente 120 anos. Portanto, sou candidato”. Não conseguiu.

 

Em outubro de 2014, foi atropelado numa passadeira do Porto, quando cumpria o seu ritual diário de sair de casa para tomar um café, tendo ficado inconsciente e sido internado em estado grave. Sofreu então um traumatismo cranioencefálico grave. Nunca recuperou totalmente.

Daniel Serrão morreu em 8 de janeiro de 2017, aos 88 anos, na sequência de problemas respiratórios decorrentes de um atropelamento, há dois anos. Estava internado no Hospital da Trofa.

Numa nota emitida este domingo, o Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos considera Daniel Serrão como um dos “príncipes da Medicina portuguesa” e  “uma figura de referência no campo da Ética e da Medicina”, que constitui um exemplo para toda a sociedade civil.

Destacou-se, sustenta a nota, pelas “opiniões desassombradas contra a clonagem de embriões humanos, os quais considerava um crime científico”. O Conselho Regional do Norte realça que Daniel Serrão “foi responsável por um notável impulso para o desenvolvimento da Anatomia Patológica em Portugal, além de uma dedicada atenção concedida à reflexão sobre o futuro, a estrutura e a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde”.

Daniel Serrão casou-se em 1958 e teve seis filhos, entre os quais o comentador desportivo Manuel Serrão.

Em 2005, quando comentava ao PÚBLICO a operação a um cancro da próstata que fizera poucos anos antes, afirmou: “Tenho, desde há muito, esta filosofia de vida: nenhuma dificuldade é superior à minha vontade de a vencer.” Era, nas palavras do próprio, um homem “de fé absoluta em Deus”. Mas as suas convicções, “dotando-o de determinados referenciais éticos e humanistas”, conforme caracteriza o presidente da Associação Portuguesa de Biotética, Rui Nunes, nunca lhe travaram “a sua enorme curiosidade científica”.

Dito de outro modo, Daniel Serrão “era de um humanismo muito arreigado aos valores da Igreja Católica, mas sempre com a necessária abertura e tolerância para perceber que a bioética tem que estar aberta a todas as questões, como a procriação médicamente assistida, a eutanásia e o aborto”, relativamente às quais “teve sempre a atitude de deixar que cada um pensasse por si e efectuasse o seu próprio juízo” .

“Foi uma personalidade muito marcante no final do século XX e no início do século XXI. Deixou um legado importante porque foi o precursor da bioética no nosso país”, acrescenta Rui Nunes. Para este investigador, Daniel Serrão “teve a clarividência de perceber que o mundo estava em mutação nas ciências da vida e da saúde e que era preciso introduzir em Portugal esse domínio novo a que hoje chamamos bioética”.

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