Carson McCullers, escritora que se especializou-se em personagens solitárias e imprevisíveis, cujos romances, contos e peças de teatro retratavam a aflição da solidão e o poder de amar

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A escritora que inquietou o Sul da América

 

Marlon Brando e Elizabeth Taylor protagonizam a adaptação ao cinema de “Reflexos num Olho Dourado” de Carson McCullers | (DIREITOS RESERVADOS)

 

 

Carson McCullers (Columbus, Georgia, 19 de fevereiro de 1917 – Nyack, Nova York, 29 de setembro de 1967), escritora que se especializou-se em personagens solitárias e imprevisíveis, cujos romances, contos e peças de teatro retratavam a aflição da solidão e o poder de amar. Continua a valer uma voz ímpar nas letras americanas.

Carson McCullers, nascida a 19 de fevereiro de 1917, casou-se duas vezes com o mesmo homem, numa história que acabou em decepção e tragédia – ela optou por não cumprir o pacto de suicídio estabelecido entre ambos e ele, Reese McCullers, acabou mesmo por morrer num quarto de hotel parisiense, em 1953.

A escritora manteve intensas e públicas paixões por outras mulheres, com destaque para a obsessão que a ligou à fotógrafa suíça Annemarie Schwarzenbach (1908-1942), mas, de acordo com as suas diferentes biógrafas, nunca consumou sexualmente nenhuma dessas atrações.

Foi vítima de doenças sérias – da febre reumática ao alcoolismo -, que lhe custaram uma paralisia total do lado esquerdo do corpo, nos últimos vinte anos que viveu. Escreveu isto: “Quero ser capaz de continuar a escrever, doente ou com a saúde, até porque a minha saúde depende em absoluto de continuar a escrever. Os médicos decidiram que é preciso amputar a minha perna afetada. Só não o fizeram de imediato porque os hospitais estão cheios. É por isso que todas as noites, quando me sento a escrever, amaldiçoo os médicos por me fazerem esperar e amaldiçoo a minha perna por me doer tanto.”

Carson McCullers | (BETTMANN/GETTYIMAGES)

 

 

Nada na vida de Lula Carson Smith correu de acordo com qualquer plano que pudesse ser estabelecido e mantido. Começou cedo: os estudos de piano, que poderiam levá-la à distinta escola de Juilliard, terminaram abruptamente. Por um lado, o pai, um criador de relógios e joalheiro, enfrentou um período financeiramente complicado. Por outro, Carson enfrentou a sua primeira grande crise de febre reumática (que se repetiriam por toda a vida) ainda antes dos 15 anos.

O prémio de consolação para este corte abrupto nas inclinações musicais foi, ainda assim, uma oferta paterna que a acompanhou pelo resto dos seus dias: uma máquina de escrever. Mesmo com limitações físicas, aventurou-se a trocar a cidade natal de Columbus, Georgia, por Nova Iorque, onde frequentou aulas noturnas de Escrita Criativa em duas universidades (Columbia e Nova Iorque). Resultado: publicou, ainda antes dos 20 anos (1936), o seu primeiro conto. Wunderkind, com forte pretensão autobiográfica, ao contar a história de uma criança-prodígio na área musical, que enfrenta inseguranças e incapacidades, foi publicado na revista Story.

Entre eleitos

O seu primeiro livro, de 1940, chama-se O Coração É Um Caçador Solitário (agora relançado em Portugal, pela editora Relógio d”Água), seguindo-se Reflexos num Olho Dourado (1941) e Frankie e o Casamento (1946). De repente, Carson colocava-se entre os nomes alinhados para definir uma “literatura sulista”. Aos poucos, o teatro e o cinema vão debruçar-se sobre a sua obra: Frankie e o Casamento começa pela Broadway, e, pela mão de Fred Zinnemann (com o título Member of the Wedding), chega ao estatuto de filme, conseguindo que uma das atrizes, Julie Harris, seja nomeada para o Óscar de Melhor Atriz.

A estreia de Reflexos num Olho Dourado, realizado por John Huston, com Marlon Brando e Elizabeth Taylor, acontece duas semanas depois da morte de Carson.

No ano seguinte, será a vez de O Coração É Um Caçador Solitário, dirigido por Robert Ellis Miller e interpretado por Alan Arkin (nomeado para o Óscar de Melhor Ator) e Sondra Locke (nomeada para o Óscar de Melhor Atriz Secundária).

Muito mais tarde, Simon Callow realiza A Balada das Paixões, com Vanessa Redgrave, Keith Carradine e Rod Steiger. De resto, a saga mantém-se: no ano passado, houve mais uma curta-metragem baseada num conto de McCullers, A Tree A Rock A Cloud.

Apesar de as suas personagens mostrarem uma enorme “queda” para a solidão (ou mesmo para a exclusão social e para a bizarria), Carson viveu períodos de forte ligação a nomes grandes da arte e da cultura. Por exemplo quando integrou uma comuna artística em Brooklyn de que faziam parte o compositor Benjamin Britten, o poeta W.H. Auden ou o escritor Paul Bowles.

Mais tarde, durante as suas estadas em Paris, tornou-se amiga e companhia habitual de Truman Capote e de Tennessee Williams. O dramaturgo diria, tentando sintetizar a temática da escritora, que esta rodava em torno “da enorme importância e dos irresolúveis problemas do amor entre humanos”.

Gore Vidal foi mais assertivo, ao declarar: “O seu trabalho é um dos poucos êxitos inquestionáveis na nossa cultura de segunda classe.” Ainda mais longe foi Graham Greene, que nem sequer evitou comparações: “McCullers e, de certa forma, Faulkner são os únicos escritores com uma sensibilidade poética original, desde a morte de D.H. Lawrence. Eu prefiro McCullers a Faulkner porque ela escreve de uma forma mais clara. E prefiro-a a Lawrence porque ela não tem a pretensão de uma mensagem.”

As contradições sulistas, os choques interclassistas e raciais, o refúgio numa solidão povoada por fantasmas do passado e das vivências, tudo contribui para um universo tão complexo como fascinante, na escrita de Carson, que nunca escondeu o desejo de deixar para trás Columbus, a cidade que sentia como um travão ao seu espírito livre e, por inerência, ao seu trabalho.

Ainda assim, tendo vivido em Charlotte, Carolina do Norte, depois do seu primeiro casamento com Reeves, mas sobretudo em Nova Iorque, com longas temporadas em Paris, a autora nunca conseguiu desfazer-se da bagagem trazida do Sul dos Estados Unidos, da infância e da adolescência.

O último trabalho de fôlego que publicou foi Relógio sem Ponteiros (1961), de que a sua parceira de origem na Georgia (mais propriamente em Savannah), a escritora Flannery O”Connor, disse ter sido “o pior livro que leu na vida”.

Para Carson, sobravam os contos, alguns ensaios, poemas e ainda uma tentativa – frustrada – de ditar a sua autobiografia, tarefa que ficou inacabada: morreu a 29 de setembro de 1967, na sequência de uma hemorragia cerebral. Essas memórias seriam, mesmo assim, publicadas em 1999, com o título Illumination and Night Glare.

Mas a sua longevidade, enquanto escritora, não deixa dúvidas. Até nisto: em 2016, a cantora Suzanne Vega conseguiu finalmente dar corpo a um projeto com três décadas, ao lançar um álbum inteiramente inspirado no universo da autora sulista. Lover, Beloved: Songs from An Evening with Carson McCullers é uma obra de primeira água.

E nem todo o mérito pode ou deve ser atribuído a Suzanne Vega. Fica por saber se a doce cantora, outras fossem as circunstâncias, não se transformaria em mais uma das paixões (ou obsessões) de Carson, que nunca conheceu as expressões “banho-maria” ou “a meio-gás”. E nunca as teria praticado, por falta de tempo e de feitio.

(Fonte: https://www.dn.pt/artes – DIÁRIO DE NOTÍCIA – ARTES / Por João Gobern – 19 DE FEVEREIRO DE 2017)

Carson McCullers; Escreveu sobre Solidão e Amor;

SRA. M’CULLERS, NOVELISTA

 

Carson McCullers, cujos romances, contos e peças de teatro retratavam a aflição da solidão e o poder de amar

Carson McCullers faleceu esta manhã 29 de setembro de 1967 no Hospital Nyack.

(Fonte: https://www.nytimes.com/1967/09/30/archives – Arquivos do New York Times / NYACK, NOVA YORK, 29 de setembro – 30 de setembro de 1967)

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