Budd Boetticher, foi o último dos diretores que ajudaram a esculpir a grandeza do gênero western

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O último dos diretores de western

 

 

Budd Boetticher (Chicago, Illinois, 29 de julho de 1916  – Ramona, Califórnia, 29 de novembro de 2001), foi o último dos diretores de western

 

Ele era o último dos diretores que ajudaram a esculpir a grandeza do gênero que, nos anos 40 e 50, chegou a ser definido como “o cinema norte-americano por excelência”. O western, claro. Anthony Mann (1906-1967), John Ford (1894-1973), Howard Hawks (1896-1977), Delmer Daves (1904-1977), Raoul Walsh (1887-1980), Sam Peckinpah (1925-1984), Henry Hathaway (1898-1985), John Sturges (1910-1992).

 

Ao deles é preciso acrescentar o nome de Sergio Leone (1929-1989), e conseguiu o prodígio de elevar um produto tão falsificado quanto o spaguetti western à condição de uma das mais belas artes. Budd Boetticher era o único que restava, solitário.

 

Pode ser que a grande arte de Boetticher permaneça um segredo de poucos, aqueles mesmos que se mantêm fiéis à chama do western. Somente Clint Eastwood se esforçou para manter vivo o gênero e, mesmo ele, deve ao público a realização de outro bangue-bangue tão bom quanto Os Imperdoáveis, que ganhou o Oscar de 1992.

 

Boetticher não filmava desde o fim dos anos 60. Sua memorável série de westerns com Randolph Scott foi realizada entre 1956 e 1960. O primeiro daquele bloco de seis filmes foi Sete Homens sem Destino. O último, Cavalgada Trágica. Entre esses extremos surgiram: O Resgate do Bandoleiro e Entardecer Sangrento (1957), Fibra de Herói (1958) e Um Homem de Coragem (1959). Quatro foram escritos por Burt Kennedy.

 

E todos estão entre o que de melhor se fez no cinema do Oeste. Houve um tempo em que o fascínio do cinema podia ser resumido numa fórmula: um homem, um revólver, um cavalo e a pradaria imensa. O western surgiu do encontro de uma tradição de heroísmo com um meio de expressão. E criou uma mitologia norte-americana, até porque, como disse o mestre Ford em O Homem Que Matou o Facínora, há momentos em que é melhor “imprimir a lenda”.

 

É verdade que essa lenda escondeu o genocídio dos índios e estabeleceu a cultura das armas como a ideologia do (meio) Oeste dos Estados Unidos. Mas o próprio cinema se encarregou de desmistificar a conquista do Oeste, por meio de obras memoráveis assinadas por John Ford e Sam Peckinpah. Budd Boetticher era o nome artístico de Oscar Boetticher Jr. Sua vida é daquelas que dariam um romance. Boetticherfoi pugilista e jogador de rúgbi. No México, aprendeu a tourear e virou um toureiro famoso. Foi o que lhe abriu as portas de Hollywood.

 

No começo dos anos 40, foi contratado como consultor técnico para as cenas de touradas de Sangue e Areia, que Rouben Mamoulian adaptou do romance de Blasco Ibañez, com Tyrone Power no papel do toureiro. Fez um punhado de filmes anódinos e, então, em 1951, surgiu The Bullfighter and the Lady, que passou no Brasil como Paixão de Toureiro. O filme foi supervisionado por John Ford.

 

E, por tratar de um assunto que era a especialidade do diretor, ele se saiu bem, assinando um trabalho mais interessante e pessoal que todos os anteriores. No mesmo ano fez o western O Último Duelo, com Audie Murphy, seguido por Seminole, com Rock Hudson, e Sangue por Sangue, com Glenn Ford. Prepararam o caminho para a explosão de Sete Homens sem Destino, que foi como se chamou, no Brasil, Seven Men from Now. O crítico francês André Bazin foi o primeiro a chamar a atenção para a importância desse filme extraordinário.

 

Percebeu que, com ele, algo de novo se passava no gênero. É preciso observar o momento do western em que Boetticher realizou sua obra-prima. Nos anos 50, diretores como Fred Zinnemann em Matar ou Morrer e George Stevens em Os Brutos também Amam (Shane) deram ao western uma respeitabilidade que ele, por ser popular, ainda não lograra alcançar entre os intelectuais. Tanto o western como o musical celebram uma estética do plano geral, mas o segundo era considerado mais “artístico”.

 

É conhecida a história de John Ford, pedindo a palavra numa reunião para debater o macarthismo. Para se definir, ele disse que fazia westerns. Já era um vencedor de três Oscars, mas nenhum deles veio por No Tempo das Diligências (Stagecoach) nem por qualquer outro de seus faroestes. Vieram por filmes como O Delator, que não resistiu bem ao tempo, por Vinhas da Ira e Como Era Verde Meu Vale.

 

Nos anos 50, viria mais um, por Depois do Vendaval. Quatro Oscars e nenhum por filmes de Faroeste. O gênero, decididamente, era discriminado. Aí vieram os westerns de Zinnemann, supervalorizado mas importante por enforcar o macarthismo, e o de Stevens, que revisava criticamente a mitologia e transformava Shane no grande herói norte-americano. Em 1956, Ford faria Rastros de Ódio, mas não foram muitos os críticos que, desde a primeira hora, reconheceram na história de Ethan Edwards a obra-prima de um grande do cinema e um dos maiores filmes de todos os tempos, independentemente de gênero.

 

É nesse contexto, contemporâneo de Rastros de Ódio, que surge o primeiro grande western de Boetticher. Admiradores como Bazin saudaram nele o retorno do western à simplicidade essencial. Na época dos enfoques mais pretensiosos de Zinnemann e Stevens e das tentativas de Anthony Mann de psicanalisar o western, Boetticher mantinha-se fiel às tradições do gênero. Mas sua simplicidade era enganosa. Na verdade, era depuração, ou decantação, pois esses filmes movimentados e diretos, que raramente ultrapassam 80 minutos de duração, exibem grande complexidade dramática.

 

Nos westerns de Boetticher, o vilão é sempre a projeção negativa do herói. Em O Resgate do Bandoleiro, Randolph Scott, como um homem ético que cede à violência, se opõe a Richard Boone como um bandido que, sendo excepcionalmente violento, não deixa de se pautar por um rigoroso código moral. Essa complexidade de Boetticher se repete, o filme de gângsteres O Rei dos Facínoras, de 1960, que Jean-Luc Godard, empolgado, definiu como o mais brechtiano dos filmes.

 

Começaram, em seguida, as dificuldades de Boetticher: quatro anos para fazer seu semidocumentário sobre o toureiro Aruzza e as cenas de touradas desse filme são as mais belas já filmadas, depois um último filme com Audie Murphy, nunca exibido no Brasil (A Time for Dying). O homem que morreu em 29 de novembro de 2001, foi um daqueles diretores subestimados que um dia será preciso colocar no panteão dos grandes da tela.

 

Budd Boetticher faleceu em Ramona, Califórnia, dia 29 de novembro de 2001. Ele perdeu a batalha que, há anos, tratava contra o câncer e morreu em sua casa, aos 85 anos.

 

(Fonte: http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema – CULTURA – CINEMA / por AGENCIA ESTADO – 4 Dezembro 2001)

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