Bordou a primeira bandeira nacional

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Dona Flora Simas de Carvalho, matriarca da comunidade, Aldeia do Imbuhy, em Niterói (RJ). O local, é considerado como parte do Forte do Imbuhy, e reconhecida como a mulher que bordou a primeira bandeira nacional.

(Fonte: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/12 – RIO DE JANEIRO – Gabriel Barreira Do G1 Rio – 07/12/2015)

 

 

 

ALDEIA EM NITERÓI CORRE RISCO DE SER EXTINTA
Uma das últimas comunidades tradicionais e históricas de Niterói – a Aldeia do
Imbuí -, situada nos limites da unidade militar que abriga os fortes de Jurujuba (o Oitavo Grupamento de Artilharia de Costa Motorizado – 8º Ga Cos M), corre o risco de ser totalmente extinta.Com suas origens remontando a um assentamento de pescadores vindos de Pernambuco, em 1886 – estabelecidos na Praia do Imbuí 24 anos antes do término da construção do forte homônimo -, a aldeia teve importante papel na história do Brasil, apesar desse fato ser praticamente desconhecido da população. A primeira bandeira republicana nacional foi bordada no local pela matriarca da comunidade, Dona Flora Simas de Carvalho, ou Dona Iaiá, como também era conhecida e cujos descendentes constituem hoje quase metade dos habitantes da referida comunidade. À época com apenas 16 anos de idade, Dona Flora, que já era famosa bordadeira, recebeu do Marechal Deodoro da Fonseca o pedido para confeccionar o primeiro pavilhão nacional. O resultado do seu trabalho foi hasteado no dia 19 de novembro de 1889 – data que ficou estabelecida como o dia da bandeira.

Em 1901 o Forte Imbuí, que primeiramente se chamaria Forte D. Pedro II, foi concluído após mais de 30 anos de períodos de obras e paralisações. Daí até a década de 1960, a convivência entre moradores e fardados foi razoavelmente cordial, respeitosa e até interativa: alguns militares chegaram a casar-se com moradoras. Porém, a partir da ditadura, a comunidade começou a ser sistematicamente hostilizada pelos militares.

Aproveitando-se dos anos de chumbo, alguns comandantes começaram a confiscar 10% do pescado – principal meio de subsistência da comunidade. A partir daí foram-se multiplicando episódios onde os moradores da aldeia ficavam sempre em posição de desvantagem. A relação de desrespeito é longa e surpreendente:
– confisco do clube recreativo da comunidade – construído com recursos próprios dos moradores -, para ser transformado em casa de sargentos;
– tomada da escola que servia às crianças da aldeia e de bairros vizinhos para construção de hotel de militares no local – contra a vontade das famílias e da diretora, obrigando os alunos a andarem mais de três quilômetros (pois nunca houve transporte coletivo na aldeia) até chegarem às escolas mais próximas;
– proibição de determinados tipos de pesca além de restrições a atividade em alguns locais;
– cercamento da praia com arame farpado, impedindo o acesso aos moradores e pescadores;
– ameaças à vida de alguns moradores, da parte de graduados e oficiais superiores, por motivos injustificados e muitas vezes banais;
– tentativa descabida de despejo por parte de um general;
– humilhações diversas, entre outras agressões.

O fim da ditadura, ao contrário do que os moradores esperavam, não deu trégua aos sofrimentos vivenciados pelos aldeões. Comandos recentes, inclusive o atual, continuaram com a mesma política de terrorismo contra os moradores civis do Imbuí, flagrante através de exemplos, como:
– proibição de construção e reforma das casas e empecilhos à entrada de materiais de construção;
– proibição de uso de telefone público pela comunidade toda, devido a um ato isolado de vandalismo;
– alguns episódios de proibição da entrada de carteiros;
– empecilhos a entregas domiciliares (como móveis e eletrodomésticos), assim como burocracia excessiva para sua permissão;
– dificuldades de acesso dos moradores – principalmente os mais humildes – ao setor que cuida da burocracia relacionada às questões da Aldeia (que fica a quilômetros do local e possui deficiência no transporte público);
– penalidades militares impostas a civis, devido a conflitos, como a proibição total de visitas a algumas famílias;
– proibição geral de visitas durante a semana;
– visitas limitadas a cinqüenta cartões por dia nos finais de semana para toda a comunidade (que possui algo em torno de 30 famílias);
– entupimento proposital de uma vala pelos militares para alagamento de casas e proliferação de mosquitos;
– descumprimento de ordem judicial, pelos militares, em litígio com os moradores;
– ocupação arbitrária de terrenos, em tese pertencentes à comunidade;
– discriminação na revista dos automóveis dos moradores em relação aos permissionários das praias militares nos finais de semana – que é aberta a centenas de pagantes;
– engarrafamentos causados pelo acesso de permissionários nos finais de semana, obrigando os moradores a perderem tempo na mesma fila de entrada, sem qualquer tipo de diferenciação ou prioridade para chegar às suas residências – o que, considera-se, seria justo.

Como se já não bastassem as sistemáticas arbitrariedades cometidas pelos militares contra os moradores (evidenciadas nos exemplos acima), a ameaça agora vem de uma estrada municipal que ligará os bairros de Charitas e Piratininga – projetada para passar pelo local onde hoje estão as casas dos habitantes da Aldeia -, encarada por muitos de seus moradores como um possível golpe de misericórdia contra a já espoliada comunidade. Está sendo noticiado pela imprensa, por conta disso, que a Prefeitura pretende transferi-los para uma área da União, próxima dali, onde seriam construídas casas populares – sem que os próprios líderes da associação de moradores local tenham sido sequer consultados.

Ao conhecer de perto a situação desta comunidade, alguns ecologistas originalmente preocupados com os possíveis danos ambientais da estrada, propuseram-se a auxiliar e instrumentalizar os líderes comunitários na defesa de seus direitos. Um deles, o psicólogo e planejador ambiental Cássio Garcez, pretende trabalhar com a comunidade no sentido de resgatar e fortalecer sua identidade cultural, ligada à pesca tradicional, planejando futuramente fazer uma tese de mestrado sobre o assunto. Garcez já começou a entrevistar moradores e levantar dados históricos. “Esta comunidade encontra-se seriamente ameaçada, tanto cultural quanto como até mesmo fisicamente, devido a décadas de sistemáticas hostilidades dos militares. Valorizar sua identidade e tentar resgatar seu passado, é talvez um dos primeiros passos para começar a salvaguardar esta cultura tradicional e seu direito à existência”, acredita Cássio.

A bióloga e educadora ambiental Márcia Jardim, é outra defensora da aldeia. “A comunidade do Imbuí habita aquela praia há mais de duzentos anos, antes mesmo da construção do forte e ainda hoje não dispõe da tranqüilidade a que todo ser humano tem direito. Temos o compromisso de lutar pela preservação deste patrimônio sócio-cultural-ambiental que é a Aldeia do Imbuí”, reforça Márcia.

Outras ações estão sendo implementadas na defesa dos moradores, como a participação de políticos identificados com a causa e ações na justiça, movidas pela própria associação de moradores. Entretanto, apenas quando a importância sociocultural da aldeia e os absurdos vivenciados por seus habitantes tornarem-se amplamente conhecidos pela opinião pública – acreditam alguns moradores – é que eles poderão sentir-se mais seguros. Este é o objetivo desta carta-denúncia.

Obs.: esta carta foi elaborada com base no dossiê confeccionado pela própria associação de moradores – fundamentado em diversos documentos – e em depoimentos diretos, tendo sido revisada e aprovada por seus líderes. Grande parte das pessoas que foram vítimas de agressões e humilhações dos militares estão vivos e dispõem-se a confirmar as situações vivenciadas à imprensa e à justiça.

Cássio Garcez

(Fonte: http://www.nitvista.com – 03/06/2003)

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