Amador Aguiar, o fundador do Bradesco, o primeiro banco de varejo do país

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O Mago dos Tostões

Aguiar: dono de um estilo de vida franciscano

Amador Aguiar (Foto: www.administradores.com.br/ Divulgação)

Amador Aguiar foi o fundador do Bradesco. (Foto: www.administradores.com.br/ Divulgação)

Amador Aguiar (Ribeirão Preto, 11 de fevereiro de 1904 – São Paulo, 24 de janeiro de 1991), banqueiro, dono de um império e o fundador do Bradesco

Sempre que alguém morre é costume exagerar suas virtudes e esquecer os defeitos. No caso do banqueiro Amador Aguiar, o grande marechal do Bradesco, falecido em São Paulo no dia 24 de janeiro de 1991, aos 86 anos o costume foi seguido á risca. Os elogios choveram, mas não se lembrava de um único defeito de Aguiar. Nem mesmo dos menores, como a mania de não tolerar a contratação de funcionários que usassem barba ou que não tivessem religião. O surpreendente no lado das louvações é que alguma das qualidades do banqueiro forma negligenciadas. Falava-se na vida de Amador Aguiar e na construção do Bradesco como realizações de um homem que pegou duro no batente e era ajudado por uma grande intuição para negócios. Estaria aí todo o segredo – muito simples – do banqueiro que começou na vida como trabalhador rural e em pouco mais de quarenta anos montou o principal complexo financeiro privado do país.

A verdade é mais complicada e mais interessante. Amador Aguiar, com um refinamento espantoso, conseguiu atravessar seis décadas sem parecer banqueiro e rico, mesmo tendo morrido com uma fortuna pessoal de 860 milhões de dólares, e a empresa movimenta hoje 10 bilhões de dólares por ano, mesmo parecendo um banco popular, uma grande loja de varejo, onde o rapaz do balcão não olhará de cima para nenhum freguês que apareça, mesmo que traga meio salário mínimo para a poupança. Aguiar queria isso desde o começo e sempre trabalhou nessa direção. Ele desmistificou a figura do banqueiro elitista, que emprestava dinheiro à burguesia e à nobreza”, comentava na semana passada um concorrente, Olavo Egydio Setúbal, presidente do conselho de administração do Itaú, segundo banco privado do país.

Com essa revolução, em que a perspicácia de Aguiar aparece muito clara, ele transformou um banco caipira, do interior de São Paulo, numa máquina que acabou com 113 000 funcionários – quadro idêntico ao da Marinha e da Aeronáutica juntas – e com um batalhão de 19 milhões de clientes. Num país de tradição católica e substrato macumbeiro, em que as pessoas confiam franciscanamente da riqueza como se fosse uma força sobrenatural maligna, o banqueiro espartano e o banco de varejão forram sucessos por 47 anos. Aguiar católico convertido ao protestantismo na infância, sempre achou muito meritório ganhar dinheiro. Seu talento foi encontrar a forma infalível de ganha-lo.

BURRICO DE CARGA – Amador Aguiar deixou um folclore exuberante, mas é a contradição em pequenos detalhes desse anedotário que fala mais da personalidade do banqueiro. Tome – se o caso de sue famoso burrico de carga, motivo de espanto e de elogio na Cidade de Deus, um vilarejo que Aguiar construiu na cidade de Osasco, na grande São Paulo, para abrigar o coração de seu banco. Numa das entradas da Cidade de Deus, ele mandou colocar a estátua de um burro de carga como símbolo de humildade e de trabalho. Uma estatueta menor do burrico foi instalada na sala em que trabalham os diretores do banco – e, dentro do Bradesco, sempre se louvou aquela imagem singela descoberta pelo comandante.

Tudo funciona muito bem como símbolo de uma organização que opera pesado e engolfa as contas mais modestas. Mas Amador Aguiar gostava mesmo era de leões. No final dos anos 60 cuidava de quatro deles, um dos quais com o nome de César, numa espécie de minizoológico que montou na Cidade de Deus. Chegava a amamentá – los com uma mamadeira de bebê e parecia divertir – se muito com isso. Jamais foi flagrado com um burrico com pelo cabresto em qualquer ligar em que apareceu durante sua longa vida.

Ao falar de si, coisa que fazia raramente, Aguiar gostava de se apresentar como um homem alheio às distrações, mesmo as necessárias. Não tinha tempo para ler jornais e livros – contava ele -, não ia ao teatro e ao cinema e não gostava de política. Também martelava o detalhe de que possuía apenas o curso primário. Em outros momentos a história tinha enredo diferente. “Eu soube tirar partido da asma”, comentou numas das poucas entrevistas que deu, referindo – se à doença que sempre o perseguiu. “Como não conseguia dormir, eu lia a noite inteira.” Era um soldado espartano, que não comparecia as festas, dirigia um fusca e apreciava uma dieta de monge carmelita. Uma vez o banqueiro contou que se alimentava há meses de um único cardápio: brócolis picadinho e batata – doce. Pode ser ou não um exagero, mas manifestações desse tipo se enquadravam perfeitamente na queda de Aguiar por se mostrar sempre no desenho de um homem simplório e meio rude.

“O que mais me dá prazer é comer de colher num prato fundo, descalço e ao ar livre”, dizia. Usava terno e gravata como todo mundo, mas quando cruzava as pernas via – se muitas vezes que não usava uma peça de praxe. “Eu detesto meias”, explicava. Aguiar sempre viveu numa boa casa de classe média, nunca numa mansão, andava sem dinheiro no bolso e não gostava de férias nem de viagens ao exterior. Condenava sistematicamente as exibições mais supérfluas de riqueza, por mais corriqueiras que fossem. Certa vez, ao chegar ao trabalho, notou um Mercedes-benz reluzindo no estacionamento da diretoria do Bradesco. Pediu a secretária para descobrir o dono do carro e mandou o proprietário se desfazer do veículo. “Os ricos que ostentam, que compram carros importados, não são pessoas polidas. Eles ofendem os pobres”, ensinava Aguiar.

Collor pelo Avesso – Amador Aguiar morreu às 16 horas do dia 24 de janeiro na UTI da Gastroclínica de São Paulo, vítima de um ataque cardíaco. Estava internado havia duas semanas com problemas respiratórios – no fundo, a asma, agravada pela velhice – e entrou em coma nos últimos dias. Já não comandava o Bradesco diretamente – deixou em seu lugar Lázaro de Mello Brandão, que trabalha há 47 anos no banco. Dois dias antes da crise de asma que o levou à Gastroclínica fez uma última reunião de trabalho, uma reunião informal com Brandão. Aguiar tornou – se um mestre na arte de frisar a própria imagem. Uma habilidade rara, que talvez só possa ser comparada ao que exibiu o presidente Fernando Collor de Mello. Nesta especialidade, há uma diferença curiosa entre os dois no manejo do marketing pessoal.

Tudo em Collor é feito para brilhar e causar impacto – as gravatas de seda, os gestos estudados, as aparições públicas sempre montadas para mostrar o presidente com o dinamismo de um piloto de avião e de jetski. Amador Aguiar só podia ser percebido pelo lado oposto. Ele era a negação consciente do refinamento de hábitos, da sofisticação intelectual, do luxo e da riqueza. Não que fingisse ser o que não era. É mais sutil do que isso. Aguiar veio de uma família de lavradores de Sertãozinho, no interior de São Paulo, e foi criado numa fazenda. Mal concluiu o curso primário foi trabalhar na agricultura e conseguiu o seu primeiro emprego, como tipógrafo.

Depois iniciou sua carreira bancária, aos 21 anos, como contínuo do Banco Noroeste, na cidade paulista de Birigui. O fundador do Bradesco era realmente um homem simples, recatado e não seria de se esperar que contrariasse sua própria natureza. Mas como um Collor pelo avesso, Amador exagerava um pouco na simplicidade, se não fosse assim, não falaria tanto dela. Por exemplo, numa entrevista que deu ao jornal O Estado de S. Paulo, em novembro de 1987, talvez o momento que tenha falado de si próprio com mais descontração. Amador Aguiar conta que se converteu ao protestantismo não por uma iluminação qualquer, e sim por uma afinidade lógica. “O protestantismo é mais simples”, disse. “E eu sempre vivi com simplicidade.”

Canudo não vale – Em 1943, Aguiar foi chamada para dirigir um pequeno banco de Marília, em São Paulo, que já tinha o nome de Bradesco, mas havia surgido de uma velha casa bancária. Nesse tempo, os bancos bajulavam a nobreza local. Aguiar começou a abrir caminho num campo inexplorado. Em vez dos ricos, decidiu captar a poupança do trabalhador rural analfabeto, de botina de goma, e do pequeno comerciante. Mostrou e 1943 um estilo de trabalho no Bradesco que dura até hoje. As mesas dos gerentes, que antes ficavam escondidas e às quais só tinham acesso as pessoas endinheiradas, foram trazidas para perto das portas. Ali os gerentes recebiam todo muno e podiam, também, acompanhar todo o movimento do banco.

A estratégia de abrigar a pequena poupança de muitos clientes fez escola. Com o antigo Banco Brasileiro de Descontos, de Marília, surgia o primeiro banco de varejo do país. “Amador Aguiar foi um pioneiro. Foi o primeiro a perceber que era preciso sair detrás do balcão para buscar os clientes”, disse Maurício Schulman, presidente em exercício do banco Bamerindus. “Ele foi o primeiro banqueiro popular do Brasil”, afirma Olavo Setúbal, do Itaú. O Bradesco de hoje, com seus mais de 4.000 postos de atendimento e seu movimento brutal de dinheiro, é o maior banco privado da América Latina. Mas em alguns de seus traços fundamentais continua exatamente igual ao banco de Marília.

Os diretores do Bradesco só chegam ao topo da hierarquia se cumprirem alguns requisitos. Um deles é tempo de carreira. Para conquistar o título de diretor, um funcionário precisa carregar pelo menos quinze anos ininterruptos nas fileiras do banco. É preciso, sobretudo, começar de baixo. Nenhum dos atuais figurantes da equipe econômica do governo, a começar pela chefe Zélia Cardoso de Mello, conseguiria emprego na direção do Bradesco. Aguiar, aliás, com seu canudo de primário completo, não fazia a menor reverência por títulos universitários. “Nunca li um livro de economia, e se tivesse lido não faria tudo o que fiz”, dizia. Em outras de suas sentenças típicas ele lembrava do ex-governador de São Paulo Laudo Natel. “O único que fez ginásio, aqui, não trabalha mais no banco. Foi ser governador do Estado”.

De olho na turma – O Bradesco não oferece mordomias aos seus principais executivos – nem mesmo uma sala própria. Eles trabalham num grande salão, em duas enormes mesas coletivas com alguns telefones em comum. E não tem secretária própria. Nesse salão existem apenas duas mesas exclusivas. Numa delas trabalha Lázaro Brandão. Da outra, durante a nos afio, Aguiar e a estatueta de burrico vigiaram a turma. Uma das curiosidades do alto comando do Bradesco está na simplicidade de seus integrantes, cortada de acordo com os moldes do próprio comportamento de Aguiar. No salão trabalha – se de manga arregaçada, ninguém se trata por “doutor” e, na fosse pela gravata, os executivos passariam a qualquer a impressão de que são farmacêuticos do interior, discretos e amáveis. Quando foi seqüestrado, há quatro anos, o então vice-presidente Beltran Martinez dirigia seu próprio automóvel, como qualquer um. O próprio Aguiar só largou da direção de seu Fusca com 80 anos de idade. Em 1990, ele se casou com Cleide Campaner, 39 anos mais jovem, uma professora que conheceu na Fundação Bradesco. Na festa havia champanhe, mas nenhum garçom pra servir.

As instalações centrais do maior banco do país não estão nas torres de vidro escuro da Avenida Paulista, endereço de duas dúzias dos principais bancos brasileiros. Funcionam em edifícios acanhados, na Cidade de Deus. Sabe – se que lá está alguma coisa importante porque de vez em quando pousa um helicóptero no teto de um dos prédios. Aguiar cunhou no banco sua personalidade, e essa marca transformou – se numa cultura própria que é cultivada como uma forma de religião. O Bradesco, como seu fundador, não gosta de alianças com os barões da praça. Em duas tentativas Amador Aguiar quis fundir seus negócios com o de outros banqueiros. Nenhum foi adiante.

Numa dessas ocasiões, chegou a formalizar o noivado com o Unibanco, numa promessa de fusão negociada em 1972. De um lado estava Amador Aguiar, com seu despojamento, quatro anos de grupo escolar e sua filosofia de trabalho peculiar. Do outro o banqueiro Walter Moreira Salles, que foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos no governo de Juscelino Kubitschesk, movia – se com desembaraço na alta sociedade e tinha no banco funcionários no banco diplomados. A fusão dos bancos chegou a ser comunicada nos jornais. Não se sabe exatamente porque a transação se desfez. O folclore diz que o negócio veio abaixo quando os diretores do Unibanco chegaram à reunião com Amador Aguiar em Mercedes – Benz com motoristas. Aguiar comentaria depois: “Ele (Moreira Salles) não dirigia o banco, quem dirigia eram tecnocratas, universitários. Não daria certo. Nós somos caipiras. Eles são doutores”.

Rachar Lenha – A segunda tentativa foi com Antônio Carlos de Almeida Braga, o “Braguinha”, dono da Atlântica – Boavista de Seguros. A fusão foi um dos maiores espantos da comunidade financeira. Braguinha era o paradigma do bon vivant, levava uma vida agitada e gostava de aparecer nas colunas sociais. Nunca os financistas brasileiros entenderam direto como é que Aguiar, com seu comedimento de pastor protestante, conseguiu andar de braço dado tanto tempo com um senhor, como Braguinha, que adora esportes, freqüenta jogos no exterior viajando de jatinho particular, dá – se com uma multidão de gente conhecida, anda de lancha e nunca rejeitou outros confortos que o dinheiro compra e ele aprecia. Numa ocasião em que Braguinha contava suas aventuras esportivas numa roda de ouvintes, alguém perguntou a Amador Aguiar: “E o senhor o que gosta de fazer?”. “Gosto de rachar lenha”, respondeu o velho. Em 1984, quando completou 80 anos, Aguiar afastou – se de seu cargo na presidência do Conselho de Administração do banco e elegeu Braguinha como seu sucessor. Foi aí que a casa caiu. “Ele prometeu cumprir meus princípios, mas não cumpriu”, diria Aguiar tempos depois do rompimento.

O banqueiro que morreu na semana anterior descobriu nessa experiência que o Bradesco com Braguinha não seria o Bradesco. É provável que tenha imaginado que o Bradesco não seria o Bradesco sem o Amador Aguiar – nem mesmo sob o comando de sua família. Nos últimos seis anos ele armou uma engenharia impressionante para que o banco que criou à sua imagem e semelhança continue existindo sem alterações depois de sua morte. O Bradesco hoje não tem um dono. Quem o comanda, por meio de uma multiplicação de holdings, é a diretoria executiva, formada por aqueles homens que se vestem pensam e conversam no estilo Amador. A família, não enfrentará, por isso, falta de brioches à mesa. As três filhas adotivas do primeiro casamento de Aguiar detêm um naco respeitável das ações do Bradesco e também fica na herança a fortuna pessoal do patriarca, dono de catorze fazendas, entre outros bens.

De profissional

“Pus no bolso, não sai mais. Sou velho, tenho de ter um pé-de-meia.”

“Sou rico, muito rico, porque tenho crédito, todo mundo acredita em mim.”

“Um homem sozinho não vale nada. Só vale se cercar-se de muita gente que pensa como ele.”

“Nunca li um livro de economia. Se tivesse lido, não faria tudo o que fiz.”

“Minha economia é a da dona de casa: quem ganha dez não pode gastar doze.”

 “Um homem que sabe ler e escrever pode aprender tudo.”

“Fugi de casa aos 16 anos e, a partir daí, nunca mais dependi de ninguém.”

“Trabalho não mata e não faz mal.”

“Eu nunca tive ostentação, porque a ostentação ofende.”

“Detesto atravessar um salão com muitas pessoas. Odeio dar na vista.”

“Eu não suporto meias.”

Amador Aguiar, morre aos 86 anos e deixa o banco preso ao seu exemplo.

(Fonte: Veja, 30 de janeiro de 1991 – ANO 24 – Nº 5 – Edição 1167 – Memória – Pág: 66/67/68/69)

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