Ágnes Heller, dissidente do antigo regime comunista na Hungria e crítica nos últimos anos do primeiro-ministro ultranacionalista Viktor Orbán

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Filósofa húngara foi dissidente do comunismo e crítica do premier ultranacionalista Orbán

 

 

Perseguida pelo regime comunista nos anos 70, ela se exilou para lecionar na Austrália e em Nova York. Agnes voltou à Hungria em 2000.

 

 

Ágnes Heller, em Budapeste em agosto de 2017. (Foto: ZSÓFIA PÁLYI)

 

 

Foi uma das pensadoras mais influentes do século XX, autora de uma ampla obra que refletiu sobre a história e a razão

 

 

Agnes Heller (Budapeste, Hungria, 12 de maio de 1929 – 19 de julho de 2019), filosofa húngara e professora da New School for Social Research de Nova York, dissidente do antigo regime comunista na Hungria e crítica nos últimos anos do primeiro-ministro ultranacionalista Viktor Orban.

 

 

 

Nascida no dia 12 de maio de 1929 em Budapeste, Heller foi aluna de um dos principais pensadores húngaros do século XX, o filósofo marxista Georg Lukacs (1885-1971), e se tornou uma das figuras da Escola de Budapeste, corrente crítica ao socialismo húngaro que se desenvolveu após a revolta de 1956 em Budapeste, reprimida pelas tropas soviéticas.

 

Considerada dissidente e perseguida pelo regime comunista nos anos 70, Agnes Heller, nascida em uma família judia – seu pai morreu em Auschwitz – se exilou para lecionar na Austrália e em Nova York, onde ocupou a cátedra de Hannah Arendt.

 

Ao regressar à Hungria, nos anos 2000, se tornou uma figura da oposição intelectual ao premier conservador Viktor Orban, no poder desde 2010 e cujo governo multiplicou as campanhas contra a filosofa.

Em entrevistas recentes publicadas, ela manifestou preocupação com o crescimento da xenofobia, do antissemitismo e do discurso do ódio em seu país e no mundo.

Agnes Heller, a filósofa da vida cotidiana que sobreviveu ao Holocausto

 

 

Era chocante o contraste entre o físico de Agnes Heller, a filósofa húngara morta nesta sexta-feira aos 90 anos, e a força do seu pensamento e da sua biografia. Miúda e só aparentemente frágil, sobreviveu ao Holocausto em Budapeste — metade do milhão de judeus assassinados em Auschwitz era húngara — e à repressão stalinista posterior à Segunda Guerra Mundial, que a obrigou a se exilar durante décadas. Nos Estados Unidos e na Austrália, porém, ela elaborou um pensamento baseado num profundo conhecimento da história, mas também da vida cotidiana, situado entre a filosofia e a sociologia, que conseguiu atravessar fronteiras para torná-la uma das pensadoras mais influentes da segunda metade do século XX.

 

 

Obras como O Cotidiano e a História (Paz e Terra), Historia y futuro ¿sobrevivirá la modernidad?El hombre del renacimientoCrítica de la ilustración e Para cambiar la vida são alguns dos títulos editados na Espanha, onde seu pensamento encontrou uma ampla difusão. Foi colaboradora habitual do EL PAÍS desde os anos oitenta e publicou seu último artigo neste jornal em abril passado, sobre o tema que mais a preocupava no momento: a guinada autoritária do primeiro-ministro húngaro Viktor Orban e o perigo que isso representava para a democracia na Europa. Como sobrevivente dos totalitarismos nazista e soviético, ela sabia perfeitamente quais podiam ser as consequências de ficar de braços cruzados ante um ataque contra as liberdades.

Heller considerava que a história não se repetiria e pensava que estávamos muito longe dos anos trinta. Ao mesmo tempo, porém, estava convencida de que a democracia corria perigo em alguns países da Europa, lembrando que o Estado de direito não se baseia apenas no voto. Também se preocupava com o ataque contra a razão por parte do extremismo islâmico e a ameaça que o nacionalismo representa para a União Europeia. Foi uma importante pensadora feminista. “É a única revolução que não considero problemática e é a maior do nosso tempo, porque não é uma mobilização contra um período histórico, e sim contra todos os períodos. A única totalmente positiva, talvez junto com o desenvolvimento dos direitos humanos.”

Este jornal a entrevistou em Budapeste no verão de 2017. Vivia num luminoso e desarrumado apartamento com uma vista impressionante para o Danúbio, repleto de livros e revistas sobre temas de todo tipo, que mostravam que sua enorme curiosidade intelectual nunca se apagou. A Academia Húngara de Ciências anunciou sua morte na noite desta sexta-feira, sem especificar a causa. Segundo o site húngaro 444.hu, ela faleceu enquanto nadava no lado Balaton, onde muitos cidadãos da Europa comunista passavam as férias. Curiosamente, foi ali que começou a ruir a Cortina de Ferro quando milhares de cidadãos da Alemanha Oriental que estavam na Hungria tiveram permissão para abandonar o país rumo ao Ocidente.

Heller não tinha problema algum para responder a perguntas sobre todo tipo de assunto, nem para recordar o Holocausto. Narrava a forma como sobreviveu à Shoá, quando os nazistas, apoiados pelos fascistas húngaros do Partido da Cruz Flechada, organizaram a deportação dos judeus de Budapeste a Auschwitz e depois o seu assassinato em massa na própria cidade, quando, ante a iminência da chegada dos soviéticos, os trens deixaram de sair. “Como todas as pessoas que conseguiram sair vivas daquilo, foi por acidente. Meu pai foi assassinado em Auschwitz, minha mãe e eu estivemos a ponto de morrer, mas de alguma forma nos livramos. Os fascistas húngaros mataram muitos judeus junto ao Danúbio, mas pararam antes de chegar à nossa casa. Também dispararam contra mim, mas, como sou baixa, o tiro passou por cima da minha cabeça. Em outro momento, nos colocaram numa fila. Soube que não devíamos ficar ali porque nos matariam, e conseguimos fugir. Mas tudo isso não foi sorte, e sim instinto.”

Após a Segunda Guerra Mundial, Agnes estudou e depois ensinou filosofia na chamada Escola de Budapeste, encabeçada pelo filósofo marxista Georg Lukács. Depois da invasão soviética de 1956, que reprimiu uma tentativa de libertação do regime comunista húngaro, Heller se tornou dissidente e acabou se exilando, primeiro como professora em Melbourne (Austrália) e depois na New School for Social Research de Nova York. Até o fim de seus dias, deu palestras e seminários pelo mundo todo.

Como outros filósofos pegos no turbilhão do século XX, Agnes Heller refletiu sobre o Iluminismo e sobre como se poderia ter passado da esperança despertada pela razão — noção que devia a pensadores da modernidade como Spinoza e Kant — aos horrores do totalitarismo. Foi marxista no início, mas logo se desvinculou de qualquer marco teórico que cerceasse sua vontade de buscar respostas.

Heller perdeu a confiança na razão, porque sem ela não poderiam ter construído os campos nazistas e soviéticos nem organizar a deportação de milhões de pessoas. Mas nunca perdeu a confiança no ser humano. Questionada sobre suas crenças, ela respondeu naquela entrevista: “Tenho que acreditar em algo? Talvez possa responder à sua pergunta. Acredito numa coisa: as pessoas boas existem, sempre existiram e sempre existirão. E sei quem são as boas pessoas.”

Agnes Heller faleceu em 19 de julho de 2019, aos 90 anos, anunciou a Academia Húngara de Ciências (MTA).

“Agnes Heller, membro da Academia Nacional de Ciências, filosofa e professora da New School for Social Research de Nova York […] faleceu no dia 19 de julho, aos 90 anos”, informou a MTA.

(Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/07/20 – MUNDO / NOTÍCIA / Por France Presse – BUDAPESTE — 20/07/2019)
(Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/20/cultura – EL PAÍS / BRASIL / CULTURA – Madri – 20 JUL 2019)
(Fonte: Zero Hora – ANO 56 – N° 19.460 – 25 de JULHO de 2019 – TRIBUTO / MEMÓRIA – Pág: 29)
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