A primeira brasileira campeã do UFC

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Amanda Nunes, a primeira brasileira campeã do UFC

A lutadora baiana entrou num combate de MMA como semidesconhecida. Saiu consagrada campeã e leva muitas novidades para o mundo do UFC

A lutadora baiana Amanda “Leoa” Nunes vem consolidando a melhor fama que uma lutadora pode ter diante das adversárias: ameaçadora, surpreendente, implacável. E explosiva – mas só no bom sentido, o muscular. Uma luta normal no principal campeonato de artes marciais mistas (MMA) do mundo dura três assaltos de cinco minutos. Disputas de cinturão duram cinco assaltos, num total de até 25 minutos. Há lutadoras que preferem preservar as energias no início e atacar com mais intensidade no final. Outras mantêm ritmo constante ao longo do combate e não se incomodam de deixar a decisão para os jurados. Amanda, não.

Ela combina as habilidades de faixa  preta de jiu-jítsu ao talento de boxeadora para tentar acabar com a luta rapidamente. Das 13 vitórias de sua carreira, 12 foram por nocaute ou submissão da oponente nos dois primeiros assaltos. Foi o que ocorreu na madrugada de 10 de julho, na luta da brasileira contra a americana Miesha Tate, em Las Vegas. Logo no primeiro assalto, Amanda acertou joelhadas e uma sequência de socos na adversária. Caída no chão, com o nariz quebrado, Tate virou presa fácil para golpes de jiu-jítsu. Amanda a forçou a desistir da luta aos três minutos e 16 segundos. Diante de uma plateia de mais de 18 mil pessoas e milhões de telespectadores em todo o mundo, ela venceu a luta principal da noite e se tornou, aos 28 anos, a primeira brasileira campeã do UFC (Ultimate Fighting Championship), a maior competição de MMA do mundo.

TEMIDA Amanda Nunes, primeira brasileira campeã de artes marciais mistas. Ela guardou o apelido Leoa dos tempos difíceis que viveu em Salvador (Foto: Mike Roach/Zuffa LLC/Zuffa LLC via Getty Images)

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Amanda Nunes, primeira brasileira campeã de artes marciais mistas. Ela guardou o apelido Leoa dos tempos difíceis que viveu em Salvador (Foto: Mike Roach/Zuffa LLC/Zuffa LLC via Getty Images)

 

 

Amanda mantém o apelido Leoa como uma lembrança de um período difícil de sua vida, em Salvador. “O logotipo da academia onde eu vivia era um leão. Como eu era a única mulher que treinava luta por lá, virei a leoa. Adoro o apelido. Às vezes paro para ver programas de animais na televisão e presto atenção nas leoas. Serve de inspiração. Elas sabem dar o bote na hora certa”, diz. As outras lutadoras reconhecem essa habilidade. “Ela é uma atleta explosiva, uma lutadora muito perigosa, principalmente no primeiro assalto”, diz a paraibana Bethe Correia, uma das principais competidoras da categoria peso-galo, a mesma de Amanda. “Eu sabia que a Amanda começaria com tudo e brinquei com fogo. Ela me pegou e eu não consegui me recuperar”, diz Tate.

A vitória de Amanda foi o clímax de um dos eventos mais esperados da história do MMA. Os organizadores do UFC têm fixação por números redondos. As expectativas para o UFC 200, a noite da vitória de Amanda, eram altas. O americano Jon Jones, da categoria meio-pesado, seria a atração principal. Três dias antes do evento, foi afastado devido a uma acusação de doping. A reviravolta colocou a atenção de todos sobre Tate, a então campeã e favorita, e sua então pouco conhecida oponente, Amanda. “Não costumo me importar se vou fazer a primeira luta da noite ou a última, mas tomei isso como um incentivo para dar um show”, afirma Amanda.

O caminho que a levou à noite do show diante do mundo começou em Pojuca, Bahia, a 70 quilômetros de Salvador. Foi lá que ela se iniciou no jiu-jítsu, aos 16 anos, encorajada pela irmã, Vanessa. “Ela começou a treinar e disse que achava que eu ia gostar, porque sempre pratiquei esportes”, diz Amanda. “Eu nem sabia o que era jiu-jítsu. Comecei a praticar e evoluí rápido. Em um mês estava participando de competições.” O desejo de se tornar lutadora foi encorajado pela família, já experiente no assunto. Seu tio, José “Índio” Alves, havia lutado em competições nos primórdios do vale-tudo, e a mãe de Amanda costumava ficar em seu corner. Com o incentivo da mãe, Amanda saiu de casa aos 17 anos e se mudou para Salvador, para treinar na academia de Ricardo Carvalho, um dos fundadores da Federação Baiana de Jiu-Jítsu.

Com a mudança, faltou dinheiro. Amanda não tinha patrocínio, dependeu da ajuda da família e de amigos e pensou em desistir de lutar. “Tentei trabalhar numa loja, mas afetava muito os meus treinos”, diz. Nos meses que antecedem uma luta, chega a passar sete horas por dia na academia, entre exercícios aeróbicos, musculação e treinos de diversos estilos de luta. Para diminuir as despesas e manter o ritmo de treinamento, ela morou na academia por três meses. “Não tinha nenhum compromisso, nenhuma conta para pagar. Só precisava sair da cama, treinar e lutar”, afirma.

Amanda morava na academia quando estreou em competições regionais de MMA, aos 19 anos. Perdeu a primeira luta, mas ganhou as cinco seguintes por nocaute. Edson Carvalho, irmão de seu primeiro treinador, Ricardo Carvalho, a convidou para ir morar em sua academia em Nova Jersey. Em 2011, ela estreou na competição de MMA feminino Strikeforce. Sua primeira luta profissional nos Estados Unidos durou 14 segundos – uma vitória por nocaute no primeiro round. Hoje, Amanda acumula 13 vitórias e quatro derrotas. Foi a primeira brasileira a assinar um contrato com o UFC, em 2013. Por sua vitória no UFC 200, faturou uma bolsa de US$ 100 mil e um prêmio de US$ 50 mil pela “Performance da Noite”, sem contar os patrocínios e bônus contratuais. Como campeã, seus contracheques vão crescer.

Com a vitória de Amanda, talvez o UFC perca um pouco no quesito marketing – diferente de outras lutadoras famosas, ela não é falastrona, não provoca oponentes nem cultiva a imagem de sexy. Ainda assim, sua vitória contribui com a imagem do esporte e com a mensagem da tolerância. É a primeira vez que alguém abertamente gay – homem ou mulher – conquista um cinturão no UFC. Amanda nunca escondeu sua orientação sexual. Sua namorada, a americanaNina Ansaroff, também luta no UFC e participou de seus treinos para a luta contra Tate. As duas namoram há três anos e meio e vivem juntas na Flórida. “Ela me apoiou o tempo todo e me ajudou muito na preparação. Esse cinturão é nosso”, diz. Num esporte cheio de testosterona e preconceito, a autenticidade de Amanda pode inspirar outros lutadores e lutadoras a tratar a diversidade com a normalidade necessária. “Para ser sincera, não sei nem por que as pessoas falam tanto disso. É uma coisa normal para mim, e as pessoas têm de encarar de forma normal também. Sou feliz, realizada, tenho uma namorada maravilhosa e sou campeã do mundo.”

(Fonte: http://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/07 – VIDA/ Por DANILO VENTICINQUE – 22/07/2016)

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