“Teatro é idealismo, prefiro ser um ator popular.” Sérgio Cardoso (1925-1972), ator, diretor e cenógrafo. Homem de teatro identificado com a renovação teatral brasileira na década de 50, enérgico e vitalista em suas criações.

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Sérgio: ser ou não ser?

Sérgio Cardoso (Belém, 23 de março de 1925 – Rio de Janeiro, RJ, 18 de agosto de 1972), ator, diretor e cenógrafo. Homem de teatro identificado com a renovação teatral brasileira na década de 50, enérgico e vitalista em suas criações.

Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia. Quando Sérgio Cardoso, o mais célebre interprete brasileiro de “Hamlet”, morreu de um ataque cardíaco na noite de sexta-feira, dia 18 de agosto de 1972, aos 47 anos, no Rio de Janeiro, o choque não foi sentido primeiro nas bibliotecas das casas e apartamentos, e sim nos quartos do fundo. Ele tem muito nome. Minhas empregadas o adoram – dizia, em junho, uma atriz igualmente célebre tentando ironizar a ascensão irresistível do ator no coração das telenovelas e no das domésticas.

Mas, se foi mais forte nesses escassos metros quadrados jogados num canto da casa, o choque logo depois já era sentido nas salas de jantar, onde o aparelho de televisão fala, cada vez mais alto, aos sonhos de uma classe média também sensível às ilusões das telenovelas. Eu me vendi à televisão, dizia Sérgio Cardoso num longo depoimento em novembro de 1970. Mas o meu preço foi justo.” Era o mais bem pago ator da televisão brasileira (na sua última e inacabada novela, O Primeiro Amor, ganhava 40 000, 00 cruzeiros mensais) e um dos talentos teatrais mais lamentados pelo seu prematuro desaparecimento.

Duplo – Sérgio brilhou na televisão pelos seus papeis de homens bondosos, justos, dignos de admiração. Paraense de Belém, de família rica, formou-se em Direito no Rio de Janeiro e ganhou catorze medalhas em campeonatos de natação. Era fã de Toshiro Mifune e Jeanne Moreau, de Sílvio Caldas e Elizeth Cardoso, gostava de beber uísque e comer mariscos. Foi casado com a atriz Nídia Lycia e deixa uma filha. Foi um homem bem sucedido na vida.

Menos comuns foram suas relações com o teatro. Em 1948, com 23 anos, praticamente começava sua carreira por onde muitos terminam, fazendo um “Hamlet” no hoje extinto Teatro Fênix, no Rio de Janeiro, descrito na época e depois como “brilhante”. Nos anos seguintes, variou de Pirandello (“Seis Personagens à Procura de um Autor”). Albert Camus (Calígula”), Jean-Paul Sartre (“Entre Quatro Paredes”), Oscar Wilde (“A Importância de ser Prudente”, 1950), Shakespeare (“Júlio César”, eventualmente um novo Hamlet”), até um “Rei do Cangaço” (1959) e A Raposa e as Uvas (1958). Mas uma crise nervosa, no fim dos anos 50 (dias que Le depois descreveria como desesperançados), levou-o a romper com a mulher e com o teatro. Viveu algum tempo em Brasília, onde era dono de uma loja de frios.

Perfeccionista – No entanto, não perdera sua vocação para herói e em 1964 reapareceu para cumpri-la. Só que desta vez, a partir da telenovela “O Sorriso de Helena”, estava destinado a falar a multidões maiores que as que cabem nas salas de teatro (em 1966, seu “Vestido de Noiva”, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, foi um fracasso). “O Cara Suja” antecipava sucessos que outros atores fariam em “Nino, o Italianinho” e “Beto Rockefeller”: Sérgio Cardoso já estava interpretando um galã proletário e com sotaque italiano.

Acrescentou novos sotaques aos seus papeis, o português em Antônio Maria”, o gaúcho em A Próxima Atração. Aos poucos, tornou-se um perfeccionista da telenovela. Técnicos e atores citam as dez, quinze, vinte vezes que ele mandava refilmar as cenas, até sentir-se satisfeito.

Para alguns, Sérgio estaria tentando elevar a telenovela ao nível de arte, o que, no entanto, o próprio atoe só acreditava ser possível daqui a cinquenta anos. Além, disso, multiplicou seu trabalho (às vezes dez a doze horas por dia) por uma megalomania de maquilagem e personagens múltiplos. Em “A Cabana do Pai Tomás”, fez três papéis, um deles com a pele pintada de preto. No filme Os Herdeiros” (1970), interpreta um personagem cuja existência se prolonga por várias gerações.

Compreensivo – O príncipe Hamlet parecia definitivamente enterrado. Teatro é idealismo, dizia. Prefiro ser um ator popular. Sentia haver um mecanismo louco e complexo na profissão de ator: Como é que alguém que se acha Napoleão é internado no hospício e nós, que todas as noites somos Napoleão, reis, assassinos poderosos, sórdidos ou atormentados, não somos presos nunca?

Essas interrogações, certamente, não eram partilhadas pelos tal e fãs da sala de visitas ou do quarto dos fundos. Provavelmente também não o eram pelos críticos. Em 1969, num diálogo num elevador de São Paulo com a atriz Cacilda Becker, que se recusava a trabalhar na televisão, Sérgio Cardoso dizia que essas questões deveriam no fundo ser rigorosamente pessoais: “Eu não sei julgar, prefiro compreender. Em vez de representar diante de juiz e jurados, tenho uma plateia maior que felizmente me absolve sempre”.

(Fonte: Veja, 23 de agosto de 1972 – Edição 207 – Brasil – Pág; 30)

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