“O Jorge substituiu a Gabriela cheia de canela pela Teresa Batista Cansada de Guerra: é puro lenocínio literário”. Grieco (1888-1973), escritor fluminense, foi um dos fundadores, ao lado de Gastão Cruls, da Editora Ariel, no Rio de Janeiro, responsável pela revista “Boletim de Ariel”, a principal revista literária da época

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Grieco: tudo pela palavra arrasadora

Grieco (1888-1973), escritor fluminense nascido em Paraíba do Sul, Rio de Janeiro, em 15 de outubro de 1888. Crítico literário e ensaísta do Brasil, voraz leitor, chegou a ter uma biblioteca particular com um acervo de mais de 50 mil volumes. Morador durante muitos anos da rua Aristides Caires no Méier, era frequentador assíduo da Biblioteca Nacional, então situada na Lapa. Foi um dos fundadores, ao lado de Gastão Cruls, da Editora Ariel, no Rio de Janeiro, que esteve em atividade entre 1930 e 1939, e foi o responsável pela revista “Boletim de Ariel”, a principal revista literária da época. “O que é uremia?”, perguntava um inimigo do crítico Agrippino Grieco, comentando a causa de sua morte. E ele próprio respondia: “É o veneno que o Agrippino não destilou e o fel que destruiu seu organismo octogenário”. Um diagnóstico deselegante. Em contraste, todo um coro de admiradores louvava a bondade e a doçura daquele Catão das letras brasileiras há sessenta anos ativo na imprensa e no livro. Sua mordacidade é que lhe criava inimigos cada vez que sacrificava a ternura por uma palavra de espírito fulminante e arrasadora. Quando um professor maçante de Campinas saudou-o com frase patrioteira – “Desta cidade saíram muitos homens de talento” – Grieco completou: “É, saíram todos”.

Inimigo acérrimo da Academia Brasileira de Letras, não hesitava em atacar mesmo alguns dos talentos que em seu importante “Gente Nova do Brasil” destacara com clarividente acuidade. Do Jorge Amado de “Cacau” dissera, antes de qualquer outro crítico intransigente: “Sem alma de fâmulo, sabe, quando investe contra os ricaços estúpidos, ter um bisturi no risco cortante. Com as virtudes e defeitos deste terceiro romance, o sr. Jorge Amado afirma-se, de modo decisivo, um admirável construtor de gente, um admirável construtor de vida”. Em 1972, decepcionado com o sucesso que considerava comercial do autor baiano famoso mundialmente, acusou-o com igual veemência: “O Jorge substituiu a Gabriela cheia de canela pela Teresa Batista Cansada de Guerra: é puro lenocínio literário”.

Honrarias e cargos – Vivia viúvo, solitário, com seus 60 000 livros, alguns atulhando um guarda-comidas (“Por que não? O livro por acaso não é o pão do espírito?”) em sua casa modesta no Méier, “subúrbio pacato e provinciano de uma cidade que ao adquirir o adjetivo de Maravilhosa já tinha arruinado o substantivo”. E não terminou as “Memórias” ântunas (antítese a póstumas) em que mergulhara a pena numa evocação nostálgica, caótica e crescentemente sem a contundência de outros tempos. Desatualizado voluntariamente (“Quem é Caetano Veloso?”) preferia reler a conhecer autores novos. Surdo, com filhos em altos cargos diplomáticos, cético diante de honrarias e cargos, foi membro de uma academia modestíssima, a de Letras de Duque de Caxias, e relutava em ter seu busto na cidadezinha natal de Paraíba do Sul, no Estado do Rio de Janeiro. Morreu ainda agarrado a seus autores favoritos, Voltaire, Eça de Queirós, Dante, Castro Alves, vitimado talvez não pela uremia mas pelo decurso do tempo e pelo “bacilo dos livros” que gulosamente consumira o melhor de sua vida atuante e rica. Grieco morreu no dia 25 de agosto, aos 84 anos, no Rio de Janeiro.

(Fonte: Veja, 5 de setembro, 1973 – Edição 261 – DATAS – Pág; 17 – LITERATURA/ Pág; 12)

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